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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

Um dos paradoxos do nosso tempo prende-se com a disparidade entre a escolha quase ilimitada - o que acaba, até, por provocar ansiedade - que existe enquanto consumidores (adquirir um produto simples como o leite tornou-se numa esgotante epopeia entre pacotes de leite gordo, sem lactose, com cálcio, magro, UHT, dispersas por um sem número de marcas diferentes) e a ausência de escolhas enquanto cidadãos.

 

Ora, essa ausência de alternativas resulta de uma visão paternalista e um complexo de superioridade que as elites políticas possuem sobre a generalidade dos cidadãos, que revela-se na explicação pueril que determinada medida foi recusada pela opinião pública porquanto esta havia sido mal explicada.

 

O receio do que os cidadãos pudessem decidir - o que no fundo é a base da democracia - encontrou o seu apogeu na arquitectura da União Europeia, que sempre teve o cuidado de criar os seus organismos imunes aos interesses "perigosos" dos povos, ficando isentos de qualquer responsabilização democrática.

 

Tal arquitectura provoca um novo paradoxo: um colete de forças institucional que nos impede de acabar com esta loucura.

Em entrevista ao Público, Dijsselbloem, Presidente do Eurogrupo, defende que "os governos podem ir e vir, mas os programas e os ajustamentos continuam a ser necessários". Esta frase é mais um exemplo (vd. último discurso do PR de 25 de Abril) da visão pós-democrática que assola a Europa.

 

Como já escrevi aqui anteriormente, a falta de democracia transforma a política em anti-política: ao invés de corresponder a um processo aberto, dialético, no qual os cidadãos podem e devem participar, esta tornou-se num projecto de engenharia, em que cada problema comporta uma única solução. Por sua vez, arredadas as alternativas do espaço público, desaparece a democracia.


Por outro lado, em virtude do cargo que Dijsselbloem ocupa a sua comunicação tem um peso acrescido. Com efeito, tal expressão é reminiscente da "Doutrina Brejnev" que limitou a capacidade de manobra e liberdade dos governos dos países do Pacto de Varsóvia. Tal circunstância fez com que qualquer tentativa de mudança do statu quo parecesse fútil. Deste modo, a maior parte das pessoas acabou por adoptar uma postura de conformidade e de aceitação passiva, por outras palavras, chegou-se a um "consenso alargado".



 

Da mesma forma que aprendemos a desconfiar dos clássicos cinco sentidos (somos obrigados a efectuar um esforço mental para sobrepor a intuição de que as duas linhas na imagem supra não são idênticas) é imprescindível estar alerta para os nossos erros lógicos, porque, como diz David Foster Wallace, "a validade lógica não é uma garantia da verdade". 

 

Na prossecução e fundamentação de políticas existe a tentação facilitista de justificar medidas vistas isoladamente através de um teste lógico: fará sentido que um desempregado pague o mesmo por uma intervenção cirúrgica que alguém da classe alta; fará sentido que as empresas de transporte público sejam deficitárias; fará sentido que os alemães paguem os problemas dos países do Sul.* 

 

Ora, por diversas vezes o que à primeira vista e descontextualizado faz sentido encontra-se errado ou acaba por ser contraproducente, como sucede com o paradoxo da poupança: se todos pouparem ao mesmo tempo a dívida de todos aumenta. 

 

A questão não se resolve com mais informação, como alguns congressistas nos quiseram fazer acreditar, nem com melhor informação - apesar de ser cada vez mais essencial. O importante é manter e incutir nos cidadãos um espírito crítico, não conspirativo; inquisitivo e equilibrado, sem resvalar em cinismos e relativismos. 

 

* Faz. A sua explicação está bem documentada pelo que julgo desnecessário insistir neste aspecto, até porque ultrapassaria o escopo do post.

 

 

Há urgência de soluções, mas haverá soluções? Não, no sentido de uma solução única e definitiva.

 

Em primeiro lugar, num sistema vivo e complexo como uma sociedade não há um fim da história. Nem a sociedade pode ser tratada como um projecto de engenharia à espera de uma resolução rumo a uma utopia. Existe, sim, uma infinitude de tentativa de respostas perante o eterno devir de problemas e desafios; será sempre uma construção inacabada.

 

Aliás esta dúvida metódica e incerteza é o que origina a atracção pelo populismo e sebastianismo e, no sentido mais individual, a compra de fármacos milagrosos. 

 

Em segundo lugar, a superação da crise ou de um problema depende de vários factores endógenos e exógenos. Nunca poderá ser reduzido a uma acção ou omissão, da mesma forma que é duvidoso que o New Deal tivesse relançado a economia dos EUA sem o impulso dado pela 2ª Guerra Mundial ou que a diminuição da taxa de criminalidade em Nova Iorque seja a consequência directa da implementação da teoria das janelas partidas.

 

Esta percepção dos limites não é impeditiva de actuação, apenas reforça a sua prudência e adequação, que é o que mais tem faltado na resposta à presente crise.

A ânsia de discutir revela a urgência de soluções, cujo caminho, porém, difere em razão da nacionalidade de cada um: enquanto que os portugueses desejam alterar "Bruxelas" para que essa mudança se reflicta na política portuguesa; os alemães esperam ganhar votos localmente de forma a mudar "Bruxelas".

 

O problema é que ambas visões estão correctas. Para alterar a política local os cidadãos portugueses esperam que haja uma nova política europeia, que por sua vez está dependente da vontade dos governos alemães. Deste modo, verifica-se que a perca de parte da soberania de Portugal não foi transferida, como nos foi vendida, para a entidade supranacional "União Europeia", mas reside no arbítrio do eleitor alemão, que legitimamente escolhe segundo o seu interesse pessoal.

 

Será possível a manutenção de uma união de estados nestes termos? Será viável pedir a um estado que voluntariamente ceda poder e soberania?

 

Na semana passada, pela primeira vez, estive no Parlamento Europeu. Felizmente para mim e, sobretudo para os demais, ao contrário do Mr. Smith, não tive que falar ininterruptamente durante horas.

 

No entanto, a certa altura, no meio das diversas discussões e debates, pensei na famosa frase do Pynchon: "If they can get you asking the wrong questions, they don't have to worry about answers".


Focado nesse pensamento tive algumas vezes que travar a vontade de interromper algumas intervenções e gritar bem alto "mas o que é que essa merda isso interessa?". Com esforço aguentei-me, respirei fundo e imaginei a frustração diária de parlamentares e outros responsáveis, no seu dia-a-dia de reuniões e plenários infrutíferos.


Por este prisma a UE parece uma causa perdida, mas, como Stewart diz no filme que deu "origem" ao título do presente post, as causas perdidas são as únicas pelas quais vale a pena lutar.

 

Não há prémio, galardão ou mera listagem dos melhores ou piores que não provoque discussão, repúdio ou a simples desconsideração. O grau destas reacções são proporcionais à importância dos prémios. E por isso não deixa de ser natural que os Nobeis e Óscares estejam sujeitos a uma maior critica que, por exemplo, os globos de ouro da Sic.

 

Apesar disso concordo com as criticas à entrega do Nobel da Paz à União Europeia. Numa altura em que a acção e omissão da União Europeia estão a originar fome, miséria e divisões ao arrepio dos seus ideais fundadores e quando é um espaço político com cada vez menos democracia, chegando o Presidente da Comissão Europeia, o inefável Durão Barroso, a avisar a Itália que as eleições não podem comprometer reformas (sic) não é possível retirar outra conclusão que não a de que o Mundo está em muitos maus lençóis.

A decisão de Sarkozy de expulsar ciganos do território francês foi alvo de uma enorme indignação por toda a Europa, tendo sido escritos inúmero artigos, comentários, proferiram-se discursos e, de acordo com algumas fontes, chegou até a existir uma discussão acalorada entre Durão Barroso e o Presidente Francês.

 

Espero que esta indignação se alastre relativamente à decisão discriminatória da Federação Portuguesa de Atletismo que impediu, entre outras, esta atleta, campeão europeia de salto em cumprimento, de competir pelo Futebol Clube do Porto.

 

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