Eles comem tudo...
A certa altura, no famoso ensaio de Phillip Blond de 2009, publicado na revista Prospect, surge uma frase referindo-se a Inglaterra que descreve igualmente na perfeição Portugal: a bi-polar nation, a bureaucratic, centralised state that presides dysfunctionally over an increasingly fragmented, disempowered and isolated citizenry.
Para além dos problemas conjunturais que padecemos (um governo que não governa e uma oposição expectante) existem uma série de questões estruturais que nos conduziram até aqui. A principal talvez seja a desconfiança. A desconfiança entre o Estado e contribuintes, entre eleitores e eleitos, poder central e local. A forma como é resolvida esta desconfiança varia entre as diversas relações mas possuem um ponto comum: todas as soluções escolhidas são perniciosas.
Usando apenas como exemplo a relação entre o poder central e local verifica-se que existe uma enorme relutância na delegação de poderes, na responsabilização das instituições locais. Desta forma, são constituídas estruturas faraónicas, de uma enorme complexidade, para gerir sistemas nacionais em vez de se optar por algo local, mais pequeno, fornecendo-se para esse efeito linhas gerais de modo a permitirem a sua adaptação às condições próprias de cada situação. Aliás, em todo o lado assiste-se a este fascínio a que eu chamaria de "complexo guiness", um fascínio pelo "maior da Europa", "o mais complexo", nunca nos limitamos simplesmente a fazer algo sem a adjectivar.
A descentralização já deixou de ser há muito uma opção política, é, neste momento, uma necessidade. Voltando a Blond, "London—which sucks all the talent and money from the rest of the country into the overheated south east, leaving everywhere else a mere backwater.", substituindo "London" por Lisboa a frase mantêm todo o seu significado. A única forma de combater a globalização é através do "local", e transformar o "individual" em "relações comunitárias".
Infelizmente, a agenda e discurso político está demasiado concentrado no imediato, para que exista um diálogo público sobre estas questões mas essa exigência terá que partir de nós, eleitores. Porque também nós desconfiamos dos eleitos e por isso não os responsabilizamos. É hora de exigirmos uma discussão pública franca e clara sobre uma real e verdadeira descentralização do Estado que poderá passar ou não por regionalizar. A única certeza, porém, é que a centralização é um caminho sem saída.