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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

Na ficcional República de San Lorenzo, o culto da religião "Bokonismo" é punida com pena de prisão. E, no entanto, todos os seus habitantes são praticantes do bokonismo, inclusivelmente o seu ditador.
Conforme parodiado por Vonnegut a criminalização de determinado comportamento é por si só insuficiente para que a sua pratica deixa de existir. Fiscalização e assimilação das normas por parte da sociedade são factores bem mais preponderantes: Teoria das Janelas Partidas.
As formas de evitar a evasão fiscal passam, assim, por um uso criterioso e produtivo dos fundos públicos e, sobretudo, por um cumprimento pontual do contrato social, o que não tem sucedido, por exemplo quando o nosso "de facto" 1º Ministro afirma que o subsídio de desemprego será apenas para quem precisa.
Um Estado que não actua de modo sério produz um manto de cinismo sobre os cidadãos: perante o não cumprimento do Estado é mais do que natural que o vínculo se rompa e, em sentido contrário, o seu cumprimento fortaleça esse vínculo. 

 

Uma das gaffes mais conhecidas da política portuguesa é a do então candidato Guterres a tentar calcular o PIB, terminando com a famosa frase "é fazer a conta". Se o valor do PIB decorre de simples aritmética, a sua importância e o seu verdadeiro significado não é assim tão linear ou, pelo menos, não o devia ser.

 

A verdade assente e acrítica de que existe uma correlação entre a subida do PIB e a qualidade de vida de um país - se o PIB sobe é porque o país está a caminhar na direcção certa - não era sequer defendida por Kuznets, prémio Nobel da Economia, que liderava a equipa de economistas que criou o cálculo do PIB, que avisou que “O bem-estar de uma nação não pode, desta forma, ser aferido através do cálculo do seu PIB".

 

Não se trata de monesprezar o PIB mas retirar a sua excessiva importância. Relativizar o PIB, um indicador entre outros igualmente importantes como a qualidade de vida, a saúde, a igualdade, o bem-estar... 

 

Porque o problema é que: "A country, for example, that overemphasizes G.D.P. growth and market performance is likely to focus policies on the big drivers of those — corporations and financial institutions — even when, as during the recent past, there has been little correlation between the performance of big businesses or elites and that of most people."

 

Fontes: The Rise and Fall of the G.D.P.; Redefining the Meaning of no. 1 e Ladrões de Bicicletas

 

 

 

 

Quantas vezes os nossos desempregados terão ouvido esta frase? É preciso ir à luta, dizem com paternalismo, como se a culpa fosse deles, dos desempregados, que se portaram mal e agora sofrem o castigo, e, para a sua redenção, precisam de ir à luta. 

 

A ideia de justiça é uma noção reconfortante: se cumprirmos as regras, se trabalharmos bem e esforçadamente, seremos recompensados, não teremos problemas, o nosso mérito será reconhecido.

 

Surpresa, a vida não é justa, não existe uma relação causal newtoniana mas uma incerteza quântica, que, a qualquer altura, pode atingir qualquer pessoa: a deslocalização ou insolvência de uma empresa, a extinção do seu posto de trabalho... A dependência face a factores externos, incontroláveis; a admissão da nossa própria limitação perante o nosso futuro; a insegurança são pensamentos demasiado aflitivo, torna-se conveniente o refúgio que o sucesso está ao alcance de suor, sangue e lágrimas. 

 

A fria realidade é que 32,2% dos desempregados têm 45 ou mais anos, de acordo com os dados mais recentes do INE, . Assim, antes de exortarem à luta, perguntem quantas empresas encontram-se dispostas a admitir estas pessoas, "velhas" segundo as actuais tendências, para a luta como seus trabalhadores colaboradores.

Não há criança/adolescente que nunca tenha ouvido um "porque sim". Esta frase irritante, que poderia adoptar diversas formas (ex: porque eu mando), marcava o fim de qualquer discussão, todos os argumentos esbarravam nesta intransigência do poder paternal.

 

No entanto, este poder é marcadamente autoritário, um despotismo iluminado e é conveniente que assim seja, pelo que uso regado deste instrumento não é so necessário como imprescindível para o bom funcionamento da família.

 

Sucede que se vive actualmente um período de "porque sim" na política. As medidas diariamente anunciadas revestem um manto de inevitabilidade, o que esvazia qualquer debate possível.

 

Ora, um sistema democrático saudável não pode proceder desta forma, descurando a argumentação ou partindo de uma conclusão falaciosa, que é a inexistência de alternativas.

 

Se numa primeira instância esta estratégia pode colher frutos, a médio e a longo prazo provocará uma erosão das bases da democracia, porque estará a excluir do debate público todos aqueles que discordam do caminho traçado. Estes olharão para o sistema como algo ineficaz a necessitar de uma profunda reparação pelo que o tentarão combater ou refundar externamente (ex: os movimentos a favor de uma democracia mais directa).  

Se a discussão política em Portugal é unanimamente apelidada como pobre, se existe uma visão redutora da classe política como sendo todos iguais, a verdade é que estes também não ajudam a desmistificar esta noção.

 

Um partido político que se candidata com um programa específico assente no corte de gorduras de estado, no fim a uma maior tributação da população e numa suposta verdade, conforme é visível neste pequeno vídeo, não pode, chegado ao poder, lançar todas estas promessas às urtigas.

 

Um partido político quando se candidata está a fazer uma espécie de contrato promessa com o eleitorado, que o escolhe no pressuposto de ver essas medidas implementadas. Sucede que ao ser celebrado esse contrato havia por parte do PSD reserva mental, porquanto reservava para si a intenção de não cumprir o acordado.

 

A democracia apenas poderá subsitir enquanto tal se aquilo que for sufragado corresponder às políticas que efectivamente são aplicadas, sob pena de se transformar numa lotaria, numa farsa. 

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