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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

"A austeridade pode ser autodestrutiva" e "as medidas tomadas foram contraproducentes" são conclusões óbvias, previstos por economistas keynesianos e comprovadas pela realidade.


Na verdade, tais conclusões apenas são surpreendentes e dignas de notícia porque constam do relatório elaborado pela equipa do economista-chefe de uma instituição (FMI), que não só é uma das principais promotoras desta via, como, pelos relatos, pretende manter essa mesma política autodestrutiva e contraproducente.


Como escreveu Ralph Ellison, "Without the possibility of action, all knowledge comes to one labeled "file and forget". E, é esta impossibilidade de acção que deveria servir de aviso para todos aqueles que olham para a política com desdém. Ter razão não é suficiente.

 

Enquanto não for combatido e vencido este bloqueio todos os estudos, toda a realidade, todo o conhecimento acabam por ser arquivados e esquecidos.

 

Sócrates diz que não governa com a troika. Sócrates assina o pacto com a troika.

 

Seguro faz uma abstenção violenta.

 

João Proença faz discurso violento contra a troika. João Proença é dirigente do PS, partido que assinou a troika.

 

UGT participa em greve geral, UGT assina a concertação social. Francisco Assis diz que a UGT prestou um grande serviço ao país.

 

Daniel Bessa, ex-ministro do Guterres, elogia a persistência do Ministério da Economia e a coragem de João Proença.

 

Na lei da procriação medicamente assistida, Carlos Zorrinho e a ex-ministra da Igualdade Maria de Belém querem manter a restrição a casais heterossexuais, casados ou em união de facto.

 

Este PS é oposição ao PSD em quê? Digam lá quantas vezes adormecerá o Passos Coelho com dores de cabeça por causa do PS? Vergonhoso.

Esta é preeminentemente o momento de falar a verdade, toda a verdade, francamente e corajosamente. Nem precisamos de recuar para honestamente enfrentar as condições do nosso país hoje. Esta grande nação resistirá como resistiu, revive e vai prosperar. Então, em primeiro lugar, deixe-me afirmar a minha firme convicção de que a única coisa que devemos temer é o próprio medo, sem nome, irracional, o terror injustificado que paralisa os esforços necessários para converter a retirada em avanço. (...)

 

(...) as nossas dificuldades comuns. Dizem respeito, graças a Deus, apenas a coisas materiais. Valores recuaram para níveis assoladores, os impostos subiram, a nossa capacidade de pagar caiu; governo de todos os tipos viu os seus níveis de rendimento reduzidos; as trocas comerciais congelados; a indústria estagnada; agricultores não encontram mercados para seus produtos, as economias de milhares de famílias se evaporaram.

 

Mais importante, um grande número de cidadãos desempregados enfrentam o problema sombrio da sobrevivência, e um número igualmente elevado trabalha com pouco retorno. Somente um optimista tolo pode negar as realidades complicadas do momento.

 

(...) Face ao fracasso de crédito a solução que propõem é apenas emprestar ainda mais dinheiro. Despojado da atracção do lucro pelo qual induziram o nosso povo a seguir a sua liderança falsa, eles recorreram às exortações, implorando em lágrimas para que a confiança seja restabelecida. Eles sabem apenas as regras de uma geração de individualistasEles não têm visão, e quando não há visão o povo perece.

 

Os especuladores e gurus do mercado fugiram dos seus tronos elevados no templo da nossa civilização. Podemos agora restaurar esse templo às verdades antigas. A medida da restauração encontra-se na medida em que aplicamos os valores sociais mais nobres do que mero lucro monetário.

 

A felicidade não se encontra na mera posse de dinheiro, reside na alegria da conquista, na emoção do esforço criativo. A alegria e a estimulação moral do trabalho não devem ser esquecidas na perseguição louca de lucros evanescentes. Estes dias escuros valerão a pena tudo o que nos custou, se eles nos ensinarem que o nosso verdadeiro destino não é para sermos servidos mas para servir a nós mesmos e aos nossos semelhantes.

 

O reconhecimento da falsidade da riqueza material como o padrão de sucesso anda de mãos dadas com o abandono da falsa crença de que o cargo público e a posição política devem ser avaliados apenas pelos padrões de orgulho do lugar e do lucro pessoal; e tem que chegar ao fim uma conduta no sector bancário e nos negócios que muitas vezes confundiu confiança com a transgressão insensível e egoísta. (...)

 

A nossa maior tarefa primordial é colocar as pessoas a trabalhar. Este não é um problema insolúvel se for enfrentado com sabedoria e coragem. Pode ser realizado em parte através do recrutamento directo pelo próprio Governo, tratando a tarefa como nós trataríamos a emergência de uma guerra, mas ao mesmo tempo, através deste trabalho, realizando projectos essenciais para estimular e reorganizar o uso do nosso naturais recursos.

 

Ao mesmo tempo, devemos francamente reconhecer o desequilíbrio da população nos nossos centros industriais e, fazendo uma redistribuição, esforçar-se por proporcionar uma melhor utilização da terra (...). Ele pode ser realizado pelo planeamento nacional e supervisão de todas as formas de transporte e de comunicações e outros serviços que tenham um carácter definitivamente público. Há muitas maneiras em que podem ajudar, mas nunca pode ser efectuado meramente falando sobre isso. Temos que agir e agir rapidamente.

 

Finalmente, no caminho para a retoma do trabalho, torna-se necessária a existência de duas salvaguardas contra um retorno dos males da velha ordem; deve haver uma estrita supervisão de todos os serviços bancários e de créditos e investimentos, deve haver um fim à especulação com o dinheiro de outras pessoas, e deve haver disposição para uma moeda adequada e credível. (...)

 

Discurso de posse de Franklin D. Roosevelt (tradução minha)

No dia 9 de Novembro de 1989, o Muro de Berlim começou a ser derrubado, marcando o início do fim da Guerra Fria. Um fim surpreendente para um conflito que durara quatro décadas. Ninguém imaginava que um dos blocos implodiria por si, muitos julgavam que iria assistir-se a uma simbiose entre os dois modelos de desenvolvimento, uma síntese hegeliana.

 

O instinto estava correcto mas não ocorreu com a antí-tese imaginada. Em vez de existir uma sintese com o sistema soviético estamos a assistir uma síntese com o sistema chinês.

 

A partir do 1980, os governantes chineses foram sucessivamente substituidos por tecnocratas, fieis ao partido único, mas com um saber técnico e profissional que faltava aos "revolucionários originários". Esta alteração trouxe importantes implicações ao sistema político chinês (o original pode ser encontrado aqui):

 

- Em primeiro lugar, os actuais líderes chineses tendem a pensar que a política é como um projecto de engenharia, cada problema tem uma solução, e quando a solução é encontrada, o caminho para a verdade deve ser claramente seguido, não sendo sujeito a quaisquer vozes dissidentes;

 

- Em segundo lugar, a política, ao invés de um processo aberto em que as pessoas devem participar, se torna uma questão de engenharia social, com limites claros e soluções certas. Em algum grau, a elite na China têm praticado uma política de anti-política, isto é, tentando acabar com a deliberação, conflito e participação;

 

Em terceiro lugar, as elites chinesas sentem-se muito confortaveis na execução da política de projectos: Mega-projectos são o melhor local para demonstrar seus conhecimentos e legitimidade, procurar promoção, mostrando suas realizações, e também para mergulhar os dedos no cofre do Estado de suborno;


- Em quarto, o crescimento económico e prosperidade material são a marca registada de sucesso, os politicos chineses têm extrema dificuldade em compreender que as pessoas têm necessidades espirituais além do ateísmo e do materialismo;

 

Ora, ao olhar para o que se assiste diariamente na Europa e no mundo ocidental verifica-se que estamos a caminhar neste sentido. Um futuro com menos direitos, mais horas de trabalho e pior remunerado, o esvaziamento do discurso político e da legitimação pelo voto, por um poder tecnocrata alheado das aspirações dos eleitores.

 

No fim da adolescência há uma pressa de sair, uma vontade de partir, seja por onde for, largar por aí fora, pelas ondas, pelo perigo, pelo mar, pelas noites misteriosas e fundas. Ir, ir, ir, ir de vez! Uma vida cheia de ânsias que a realidade ainda não estreitou. 

 

Mas a realidade chega e envolve as ânsias num suave torpor; afunila o horizonte; ancora os desejos. Nascem raízes - boas raízes. Estas crescem, tornam-se cada vez mais profundas, agarram e embalam-nos. O desejo de partir não desaparece, modifica-se: a viagem é sempre de ida e volta.

 

E se essa realidade não chegar? Se o solo pátrio não permitir que as raízes penetrem no seu ventre, agora, árido e infértil? Centenas, milhares de jovens obrigados a emigrar. Um êxodo. Um desperdício dos melhores e mais capazes. Uma geração perdida.

 

"Das Experiment" é um (bom) filme alemão, com passagem pelo Fantasporto, baseada numa experiência científica real conhecida como "A experiência de Stanford". Em ambas as "experiências" uma série de voluntários são escolhidos aleatoriamente para representar o papel de guardas prisionais e de prisioneiros.

 

Aos guardas prisionais, devidamente equipados com bastões e fardas, são dadas instruções simples: fazer cumprir, com ampla arbitrariedade, as regras de funcionamento da prisão (como por exemplo obrigar os prisioneiros a comerem as refeições todas); e nunca recorrer a qualquer tipo de violência física.

 

Rapidamente perde-se o controlo, os guardas prisionais, embriagados pelo seu poder e de forma a fazerem cumprir as regras, usam métodos cada vez mais cruéis e humilhantes: retiram aos prisioneiros os seus colchões e roupa, fecham-nos em solitária...

 

A noção de experiência dissipa-se, os voluntários encarnam os seus papeis: a experiência torna-se realidade.

 

Será possível concluir que o poder e o sentido de dever imposto por uma autoridade externa sobrepõem-se à análise casuística e à própria personalidade individual. Os fins, vistos como necessários e indispensáveis, legitimam qualquer meio usado para a sua execução, incrementando um zelo que não era expectável. Os que praticam estes actos não se consideram responsáveis, mas tão só cumpridores de uma obrigação.

 

Não será complicado recolher exemplos em variados graus deste comportamento ao longo da história da humanidade, a vontade do actual Governo ir além da Troika é apenas um deles.

 

Numa das grandes obras literárias de sempre (sendo certo que sou dado a exageros, neste caso considero esta frase um tudo ou nada ponderada), Yossarian, a personagem principal de "Catch - 22", é confrontada não só com o absurdo da guerra e da própria existência, mas sobretudo com a forma como a guerra é aproveitada, sob o manto de patriotismo e bem comum, para favorecimento pessoal: as personagens de chefia, e não só, procuram satisfazer as suas necessidades individuais, quer estas sejam de riqueza, quer sejam de glória.

 

Este impulso individualista, uma das conquistas mais importantes do iluminismo, tem vindo a tornar-se pouco a pouco homogéneo no nosso pensamento, sobrepondo-se à ideia de família, comunidade, sociedade, cujos laços são cada vez mais ténues. Porventura como reacção aos sistemas totalitários que procuravam a sobreposição do Estado sob o indivíduo, diluindo-o numa massa seguidora e acrítica, este individualismo foi acelerado no pós 2ª Guerra Mundial.

 

Um dos pequenos pormenores que exemplificam esta tendência são os desportos mais recentes, os denominados desportos radicais, que rejeitam o colectivo ou o diálogo com o adversário, como o ténis, e procuram apenas o grau de perícia individual do praticante.

 

Este impulso, em vez de ser domado e usado com parcimónia, foi objecto de celebração; fundamentado numa teoria utilitarista, foi difundido a ideia de que o bem comum é o resultado do maior número de necessidades individuais saciadas. Parte da crise actual está assente neste excesso individualismo: "O que é racional do ponto de vista individual – cada empresa, para sobreviver e prosperar, corta os custos laborais cada vez mais –, ignora que os meus custos laborais são os rendimentos e o consumo de alguém".

 

No entanto, a questão não se pode apenas cingir ao comportamento das empresas mas também do consumidor individual que, na tentativa de fugir a preços mais altos refugiou-se no monopólio das grandes marcas e das grandes superfícies, o que conduziu à morte lenta do pequeno produtor e do comércio tradicional. 

 

Por isso quando olho para as ruas do Porto, por exemplo para a Rua Júlio Dinis, coberta de lojas encerradas ou em liquidação total, não posso deixar de me sentir culpado.

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