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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

O anúncio da passada sexta-feira de Passos Coelho a reduzir o salário mínimo nacional, decorrente da transferência de encargos das empresas para os trabalhadores, conseguiu violar o sentimento de justiça na maior parte dos portugueses. A partir daquele momento foi ultrapassado um limite, uma linha invisível que ninguém consegue explicar mas sentida por todos.

 

Eu nunca fui a nenhum manifestação, não porque não as achasse importantes ou não concordasse com o que defendiam, mas porque não via na minha intervenção qualquer efeito útil, isso e alguma preguiça.

 

E o que mudou para que eu tenha vontade de ir à manifestação marcada para o dia 15 de Setembro? Em termos políticos receio que irá ter efeitos quase nulos - gostava que tivéssemos um Governo que unisse o povo de forma a reivindicar junto da Europa alterações necessárias - mas procuro alguma paz de espírito, tomar uma posição hoje significa sair de casa, porque como disse Bevan "sabemos o que acontece a quem fica no meio da estrada. É atropelada." 

Manifestação complicada esta. Confesso que quando li o manifesto da geração à rasca fiquei tão empolgado por aquilo como fico por ver a filmografia completa do Fassbinder. Para mim, manifestação apartidária não faz muito sentido. E manifestação sem apontar nomes dos culpados da política actual, ainda menos. Como disse o RAP, esta "fernandónobrização" da sociedade já enjoa. É altura de tomar posição. E pior de tudo, dias antes da manifestação vem um dos organizadores elogiar o discurso do Sr. Silva. Pronto. Tudo perdido pensei eu.

 

No entanto, fui. Discordo do CRG e acho que há razões para lamentar e lutar contra a precariedade. Não é assim tão fácil combater os falsos recibos verdes só porque são ilegais. Cheguei atrasado. Quando cheguei já estava toda a gente nos aliados. Estava cheio. Por momentos, sorri. Não me lembrava de ver tanta gente junta por algo que não futebol. Mas depois... Depois deram o microfone ao povo, e, um a um, lá foram falando. Tudo estragado. Não ouvi um discurso com sentido. Era tudo contra os políticos, tudo populista, bastante perigoso até. Estava desiludido.

 

De repente chegou a polícia e obrigou a malta a sair das ruas. Como se uma manifestação tivesse horas certas para acabar. Não saímos e estupidamente começou a haver confrontos com a polícia. Escusado. Chego a casa e vejo imagens de Lisboa. Lindo. Nada do que vi por cá. E de repente dei por mim a pensar, porra, ainda bem que houve. Pode ter sido uma manifestação completamente esquizofrénica, com comunistas, fascistas, centristas e anarquistas lado a lado. Mas como diz o Jel, mais importante do que isso é colocar toda a gente a falar. A discutir. E isso esta manifestação popular conseguiu. No fim, acabei por achar o saldo positivo.

 

Agora, venham mais. Mas desta vez apontando nomes. Tomando partidos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Não estarei presente na manifestação de 12 de Março, pese embora assistir com um certo gáudio à preocupação, algum terror até, de certos cronistas em relação a uma manifestação não organizada pelas associações e entidades tradicionais. Esta reacção faz-me lembrar aquele verso do Dylan: 

Come writers and critics
Who prophesize with your pen
And keep your eyes wide
The chance won’t come again
And don’t speak too soon
For the wheel’s still in spin
And there’s no tellin’ who that it’s namin’
For the loser now will be later to win
For the times they are a-changin’

Porque se é certo que as mudanças sociais significativas tiveram como base a rua: sufrágio das mulheres, direitos dos trabalhadores, democracia, etc. Também é certo que as manifestações bem sucedidas tinham uma mensagem clara, forte com um objectivo bem delineado, enquanto que as manifestações difusas, como esta, de simples protesto encontram-se destinadas ao insucesso, correndo o risco de esvaziar um movimento de contestação, que poderia ter um papel fundamental no futuro do país.

 

Segundo os impulsionadores a base desta manifestação é a precariedade. Sucede que a precariedade não é um problema, ao contrário do que é defendido, geracional. Na minha actividade profissional deparo-me infelizmente com diversas pessoas nas casas dos quarenta, cinquenta anos, na sua maioria sem qualificações, que são precários. Pelo que não posso concordar que uma manifestação tenha como base um combate entre gerações: os que estariam supostamente instalados contra os jovens.

 

Por outro lado, os recibos verdes ilegais são, por incrível que pareça, ilegais. Desconheço qualquer decisão judicial que não tenha julgado a sua ilegalidade sempre que se encontrem preenchidos os requisitos de um contrato de trabalho: artigos 11º e 12º do Código de Trabalho. E se o protesto se deve à falta de fiscalização deixo, desde já, o contacto da Autoridade para as Condições do Trabalho.

 

A base deste descontentamento parte de um destroçar de um mito, de falsas expectativas que foram criadas e alimentadas durante anos a fio: a educação, a formação eram a base da felicidade, o el dorado; com educação não haveria problemas de desemprego nem salários baixos. Após anos e anos de estudo e sacrifício, os jovens com espanto e desilusão verificaram que afinal não é bem assim. Como escreveu o Nobel da Economia, Paul Krugman, "But there are things education can’t do. In particular, the notion that putting more kids through college can restore the middle-class society we used to have is wishful thinking. It’s no longer true that having a college degree guarantees that you’ll get a good job, and it’s becoming less true with each passing decade".

 

O que fazer?

 

Lutar. Ir para a rua. Pedir salários justos e dignos, com uma menor diferença entre os salários mais altos e os mais baixos, diferença essa que se vem acentuando nas últimas décadas. Valorizar o trabalho, de forma a ser deixado de ser visto com um custo mas como uma mais valia. Proporcionar aos cidadãos mais liberdade de forma a ser possível negociar com as entidades patronais condições mais justas. Lutar contra off-shores e outros desvios à igualdade fiscal...

 

A luta continua...

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