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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

Em entrevista ao Público, Dijsselbloem, Presidente do Eurogrupo, defende que "os governos podem ir e vir, mas os programas e os ajustamentos continuam a ser necessários". Esta frase é mais um exemplo (vd. último discurso do PR de 25 de Abril) da visão pós-democrática que assola a Europa.

 

Como já escrevi aqui anteriormente, a falta de democracia transforma a política em anti-política: ao invés de corresponder a um processo aberto, dialético, no qual os cidadãos podem e devem participar, esta tornou-se num projecto de engenharia, em que cada problema comporta uma única solução. Por sua vez, arredadas as alternativas do espaço público, desaparece a democracia.


Por outro lado, em virtude do cargo que Dijsselbloem ocupa a sua comunicação tem um peso acrescido. Com efeito, tal expressão é reminiscente da "Doutrina Brejnev" que limitou a capacidade de manobra e liberdade dos governos dos países do Pacto de Varsóvia. Tal circunstância fez com que qualquer tentativa de mudança do statu quo parecesse fútil. Deste modo, a maior parte das pessoas acabou por adoptar uma postura de conformidade e de aceitação passiva, por outras palavras, chegou-se a um "consenso alargado".



No império romano, as autoridades, a certa altura, decidiram colocar uma marca distintiva - uma espécie de braçadeira - em todos os escravos de forma a não serem confundidos com cidadãos romanos*. No entanto, rapidamente esta norma foi revogada. Nas ruas do império rapidamente se verificava que o número de escravos ultrapassava grandemente o número de cidadãos, pelo que se corria o risco dos escravos unirem-se e revoltarem-se contra o statu quo. 

 

Actualmente, as medidas políticas (por exemplo o reforço da contratação individual, o conceito de utilizador-pagador, etc) têm conduzido a um cada vez maior isolamento de cada cidadão, fundamentado no pressuposto de liberdade pessoal e independência. Quando o verdadeiro fundamento resume-se ao velho ditado: dividir para reinar.

 

Divididos, agrava-se a sensação de impotência perante o mundo, a sociedade, o mercado de trabalho. As medidas, apelidadas de inevitáveis, são aceites com resignação por um cidadão isolado, que se vê sem poder real para as combater. A democracia, baseada na soberania do povo, vai perdendo o seu sentido enquanto não nos apercebermos do impacto real que cada um de nós, unidos como grupo, podemos ter.

 

 

* Desconheço se a história é ou não verdadeira, ou se é apenas um mito urbano, porém nunca se deve estragar uma bela história com factos.

Hannah Arendt, nas "Origens do Totalitarismo", revela que o imperialismo moderno tem as suas raízes na acumulação de excesso de capital nos estados europeus durante o século XIX. Este capital em excesso precisava de ser investido externamente para ser produtivo e para a sua protecção tornou-se necessário que o controlo político o acompanhasse.

 

De regresso ao século XXI, Portugal vive uma pré-campanha eleitoral e, por muito que custe ao Dr. Catroga, a discussão será sempre sobre pentelhos porquanto o essencial encontra-se pre-determinado: o capital investido pelos bancos franceses e alemães encontrava-se em risco pelo que foi necessária um controlo político mais estreito para o defender. 

 

Esta colonialização de Portugal é vista favoravelmente por grande parte da população: é um castigo aos lideres, que conduziram o país até aqui, e ao nosso povo bárbaro. Anseiam a vinda de um conjunto de tecnocratas estrangeiros, sem legitimação democrática, a decidir os destinos do país desde que exista resultados. O importante é apenas isso: resultados. A democracia é um mero pentelho neste pensamento, o importante é apenas saber se somos bem governados. 

 

Nem vou discutir aqui se os interesses destes tecnocratas correspondem aos interesses de Portugal mas qual é a diferença entre aceitar isto ou aceitar a sujeição a um déspota iluminado?

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