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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

Tal como o Woody Allen eu também considero que as melhores lições de vida são reveladas em velhas anedotas, como aquela em que dois jovens peixes estão a nadar tranquilamente no oceano quando passam por um outro peixe mais velho, que lhes acena e diz "Bom dia, rapazes! Como está a água?" Os dois peixes continuam a nadar até que um olha para o outro e pergunta "Mas que raio é água?"

 

Pode-se continuar a debater com afinco as contradições do Paulo Portas; o alargamento de um ou dois anos a idade da reforma. O que não se pode perder de vista é a água. 

 

Ora, a falta de oxigenação e o nível de acidez do discurso político (peço desculpa por manter a mesma metáfora) transforma o espaço público num ambiente tóxico: o sentimento egoísta prevalece sobre a compaixão. Agudizou-se a divisão e o confronto entre pensionistas e trabalhadores; entre público e privado; entre pobres e remediados. 


Um passe de magia até poderá impulsionar a economia de um dia para o outro, acabando com a crise, mas estas cicatrizes vão de certo durar muito mais tempo, se é que chegam, a sarar.

Perante os números negros do desemprego, perante a contracção de 3,2% do PIB o Governo encolhe os ombros, que, segundo Roberto Bolaño, tanto pode significar "que uma pessoa não sabia nada ou então que a realidade era cada vez mais vaga, mais parecida com um sonho, ou então que tudo ia mal e que o melhor era não perguntar nada e armar-se de paciência".

 

Ou então, digo eu, é tudo isto um pouco.

 

Na República de Weimar, Hugo Stinnes, um milionário industrial alemão, aumentou consideravelmente a sua fortuna aproveitando-se da hiperinflação que assolava o país. Stinnes serviu-se de empréstimos, muitas vezes do governo e de outros fontes oficiais, para especular com sucesso a contínua desvalorização do Marco alemão. 

 

Em sua defesa não se conhecem relatos de alguma vez ter dito aos seus contemporâneos para que aguentassem.

Numa cena do "Mundo a seus pés", após o eclodir da grande depressão, Bernstein, funcionário de sempre de Charles Foster Kane, interroga incrédulo o banqueiro Thatcher, que veio em salvamento do império empresarial de Kane, como é que tinham chegado a isto, os custos tinham sido sempre inferiores às receitas. Oh mas os vossos métodos, respondeu o banqueiro, nunca faziam investimentos, usavam o dinheiro apenas para comprar coisas.

 

Durante anos Portugal, pressionado também pelo inefável PEC, viu-se obrigado a cortar no investimento público. Durante a última década, o investimento nacional, público e privado, caiu dez pontos para os 18% do PIB; e o investimento público ficou reduzido a metade (aqui). Compraram-se submarinos, "comprou-se" o BPN, comprou-se artificialmente a redução do deficit orçamental e até cursos superiores se compraram.

 

E agora dizem-nos é preciso cortar mais, cortar nos investimentos e empobrecer. Eu não sou economista mas nunca percebi como é que se pagam dívidas ficando mais pobre, com menos rendimento.

Nos meus tempos de escola havia um jogo de cartas no qual um dos jogadores tomava a posição da banca, e sempre que havia um empate a vitória sorria a este, seguindo a frase "empate empate ganha o banqueiro". Eu não apreciava muito este jogo - a não ser que fosse o banqueiro - porque achava injusto esta primazia sobre os restantes jogadores.

 

Agora já crescido verifico que já não seria mau se o banqueiro apenas ganhasse quando fosse empate: entre 2008 e 2010 a zona euro entregou à banca 1,6 biliões de euros (a juros baixos), o que equivale a 18% do montante da "ajuda" a Portugal, Irlanda e Grécia (a juros bem mais elevados). Se pensarmos que parte desta "ajuda" teve como destino o resgate de alguns bancos e avales a outros verifica-se que existe um verdadeiro roubo. Uma transferência de recursos enormes para instituições financeiras sem quaisquer contrapartidas ou reformas importantes das suas actuações especulativas.

 

E não se vê o fim. No passado dia 27 o BCE reforçou o financiamento à Banca, que pode atingir os € 470 mil milhões a taxas de juros a rondar 1%. No fundo os actuais banqueiros são todos anarquistas - como descreveu Fernando Pessoa - livres, livres de todas as ficções sociais.

Diante um muro - a ausência de alternativas - torna-se fundamental não só olhar para os lados em busca de outras opções como perceber quem construiu e como foi construído este muro.

 

Em 2012, as tarifas da electricidade sofrerá um aumento médio de 20% para as empresas. Numa altura que se discute a falta de competividade das empresas portuguesas, que o seu aumento seria o caminho que tiraria Portugal da actual crise, não deixa de parecer paradoxal este aumento considerável: um aumento de 1/4 do preço da electricidade, o que levará possivelmente algumas empresas a deslocalizar a sua produção para Espanha.

 

Sobretudo considerando que a EDP teve um lucro recorde em 2010 e, ao que tudo indica, aumentará esse lucro em 2011, o que indica uma invejável saúde financeira. 

 

Perante este cenário não faria sentido o Governo, em vez de procurar aumentar o horário do trabalho em meia hora ou a eliminação de feriados, o que na prática não terá efeitos reais na produtividade, diligenciar no sentido de pelo menos manter, durante os próximos dois anos, o preço das tarifas de electricidade inalterável para as empresas.

 

Dir-me-ão que a EDP é privada. E eu digo "pois!". 

 

Esta é preeminentemente o momento de falar a verdade, toda a verdade, francamente e corajosamente. Nem precisamos de recuar para honestamente enfrentar as condições do nosso país hoje. Esta grande nação resistirá como resistiu, revive e vai prosperar. Então, em primeiro lugar, deixe-me afirmar a minha firme convicção de que a única coisa que devemos temer é o próprio medo, sem nome, irracional, o terror injustificado que paralisa os esforços necessários para converter a retirada em avanço. (...)

 

(...) as nossas dificuldades comuns. Dizem respeito, graças a Deus, apenas a coisas materiais. Valores recuaram para níveis assoladores, os impostos subiram, a nossa capacidade de pagar caiu; governo de todos os tipos viu os seus níveis de rendimento reduzidos; as trocas comerciais congelados; a indústria estagnada; agricultores não encontram mercados para seus produtos, as economias de milhares de famílias se evaporaram.

 

Mais importante, um grande número de cidadãos desempregados enfrentam o problema sombrio da sobrevivência, e um número igualmente elevado trabalha com pouco retorno. Somente um optimista tolo pode negar as realidades complicadas do momento.

 

(...) Face ao fracasso de crédito a solução que propõem é apenas emprestar ainda mais dinheiro. Despojado da atracção do lucro pelo qual induziram o nosso povo a seguir a sua liderança falsa, eles recorreram às exortações, implorando em lágrimas para que a confiança seja restabelecida. Eles sabem apenas as regras de uma geração de individualistasEles não têm visão, e quando não há visão o povo perece.

 

Os especuladores e gurus do mercado fugiram dos seus tronos elevados no templo da nossa civilização. Podemos agora restaurar esse templo às verdades antigas. A medida da restauração encontra-se na medida em que aplicamos os valores sociais mais nobres do que mero lucro monetário.

 

A felicidade não se encontra na mera posse de dinheiro, reside na alegria da conquista, na emoção do esforço criativo. A alegria e a estimulação moral do trabalho não devem ser esquecidas na perseguição louca de lucros evanescentes. Estes dias escuros valerão a pena tudo o que nos custou, se eles nos ensinarem que o nosso verdadeiro destino não é para sermos servidos mas para servir a nós mesmos e aos nossos semelhantes.

 

O reconhecimento da falsidade da riqueza material como o padrão de sucesso anda de mãos dadas com o abandono da falsa crença de que o cargo público e a posição política devem ser avaliados apenas pelos padrões de orgulho do lugar e do lucro pessoal; e tem que chegar ao fim uma conduta no sector bancário e nos negócios que muitas vezes confundiu confiança com a transgressão insensível e egoísta. (...)

 

A nossa maior tarefa primordial é colocar as pessoas a trabalhar. Este não é um problema insolúvel se for enfrentado com sabedoria e coragem. Pode ser realizado em parte através do recrutamento directo pelo próprio Governo, tratando a tarefa como nós trataríamos a emergência de uma guerra, mas ao mesmo tempo, através deste trabalho, realizando projectos essenciais para estimular e reorganizar o uso do nosso naturais recursos.

 

Ao mesmo tempo, devemos francamente reconhecer o desequilíbrio da população nos nossos centros industriais e, fazendo uma redistribuição, esforçar-se por proporcionar uma melhor utilização da terra (...). Ele pode ser realizado pelo planeamento nacional e supervisão de todas as formas de transporte e de comunicações e outros serviços que tenham um carácter definitivamente público. Há muitas maneiras em que podem ajudar, mas nunca pode ser efectuado meramente falando sobre isso. Temos que agir e agir rapidamente.

 

Finalmente, no caminho para a retoma do trabalho, torna-se necessária a existência de duas salvaguardas contra um retorno dos males da velha ordem; deve haver uma estrita supervisão de todos os serviços bancários e de créditos e investimentos, deve haver um fim à especulação com o dinheiro de outras pessoas, e deve haver disposição para uma moeda adequada e credível. (...)

 

Discurso de posse de Franklin D. Roosevelt (tradução minha)

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