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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

Se o cristianismo para se consolidar e atingir a supremacia usurpou termos e tradições pagãs, actualmente sucede o mesmo processo com o "capitalismo". A expressão "criadores de emprego", a infalibilidade do mercado e os sacrifícios em nome destes - que não se devem atacar - são todos conceitos de origem religiosa.

 

Naturalmente, o passo seguinte é o dízimo: Europa gastou um décimo da sua riqueza para salvar bancos (da próxima vez que "uma pessoa muito responsável" afirmar que não há dinheiro para o Estado Social apresentem esta notícia).

Esta apropriação da iconografia cristã e a tomada de assalto do espaço público de questões puramente económicas tem ainda outros efeitos, porventura ainda mais perniciosos. Com efeito, qualquer visualização de um símbolo relacionado com dinheiro leva a que as pessoas dêem mais importância aos seus interesses do que ajudar terceiros*.

 

Amen

 

 

Eu fui praxado e praxei umas raras vezes - não só porque na qualidade de trabalhador-estudante o meu tempo escasseava mas sobretudo porque tinha coisas bem mais interessantes para fazer.

 

No entanto, num momento que associa-se a praxe a assassinos sociopatas que faz o "Das Experiment" parecer uma brincadeira de crianças, o que perante os relatos que por aí se ouvem não parece estar longe da verdade, gostava de dar o meu relato sobre a minha experiência de praxe (um exercício complicado face à tendência muito natural de se dar ênfase aos aspectos positivos do passado e esquecer os negativos).

 

Em teoria

 

Em teoria, o que é muitas vezes esquecido, a praxe serve os caloiros. Parece piada, eu sei, daí o uso do termo "teoria". Adiante.

 

O mais notório seria o peddy paper que era organizado anualmente pela praxe para que os caloiros - muitos acabados de chegar ao Porto pela primeira vez - pudessem conhecer os pontos mais importantes da cidade. Como é óbvio esta iniciativa não é representativa da praxe e podia (e devia) ser replicada pelas associações de estudantes.

 

Mais representativo da praxe é a "alcunha" dada aos caloiros, que usualmente reflectem uma determinada característica física. Esta deveria desconstruir esse "defeito", retirando-lhe a carga negativa. A "humilhação" do uso dessa alcunha, como outras igualmente benignas, serviria igualmente para estabelecer um espírito de grupo entre os caloiros contra os "doutores".

 

A praxe seria também um rito de passagem da juventude para a idade adulta: a "derradeira oportunidade" de se fazerem parvoíces em público.

 

Na prática

 

Na prática e na maior parte das vezes a praxe está ao serviço dos "doutores". Uns estão à procura de namoro. Outros, os mais perigosos, levam a praxe e eles próprios demasiado a sério: nada surpreendente para miúdos de 20 e poucos anos que estão pela primeira vez em contacto com uma situação real de poder (vd. "Das experiment"). 

 

Por outro lado, a praxe degrada-se porque sofre de um dos problema das falsas tradições: repetem acriticamente um comportamento apenas por que este existe no passado. A tradição pela tradição.

 

Conclusão

 

Ao contrário dos mitos dos defensores da praxe, esta não cria amizades, não integra - com efeito, do meu grupo de amigos (amigos mesmo) da faculdade, somente metade estiveram na praxe; estes nunca se sentiram excluídos nem foram coagidos a fazer parte.

 

É simplesmente uma carolice que serve ou devia servir para dar umas gargalhadas não à custa dos caloiros, mas com estes; não um conjunto de provas para serem superadas, com vista a ser alcançado o "lugar de doutor".

 

Tudo para além disto é abuso sem sentido.

"Have you never harrowed yourself halfway to - disorder - with that  single word? Why."

- Thomas Pynchon - "V."

 

Parte da esquerda europeia rendeu-se à "preguiça conservadora": deixou de questionar; prefere a ordem anestesiada da falta do uso do "porquê".

 

Num momento em que as 85 pessoas mais ricas do mundo têm mais dinheiro do que a metade da população mundial (3,5 mil milhões de pessoas) - e a tendência é que a desigualdade aumente - a esquerda não só não toma posição para reduzir a desigualdade como consegue ainda apoiar a redução dos impostos sobre as empresas. 

 

Mas se não teremos a desordem institucional causada pelo "porquê", iremos ter a desordem causada pelo desespero, porque, como se costuma dizer agora, este caminho é insustentável.

 

Querida Esquerda, ouve o Boss: 

Tell me someone now, what's the price
I wanna buy some time and maybe live my life
I wanna have a wife, I wanna have some kids
I wanna look in their eyes and know they'll stand a chance

 

 

 

Dezenas de pessoas, colocando em perigo a sua própria segurança, afluem às zonas costeiras para observar as ondas gigantes que se multiplicam no litoral de Portugal. Nas imagens recolhidas, cada rebentação era recebida com gargalhadas, gritos e gestos de exultação. 

 

No fantástico "White Noise", DeLillo procura explicar este encanto: por que razão pessoas decentes, responsáveis ficam fascinadas por catástrofes, desejando sempre algo maior, mais arrebatador.

 

Para o autor há um desejo e uma necessidade de catástrofe. Necessidade porque é a única forma de romper com o "brain fade", causado pelo bombardeamento de informação diária; de ultrapassar o ruído branco e agarrar a atenção do público. E desejo porque no mundo pós-moderno a televisão transforma tudo em entretenimento, em espectáculo, o que leva a que as catástrofes tenham algo de desejável até de fantasioso. 

 

No entanto, creio que existe algo mais do que meros efeitos causados pelos mass media, mais intrínseco à condição humana. Um fascínio pelo poder da natureza, desde a mais simples e hipnótica lareira ao poder destrutivo de cataratas gigantes.

 

Atropos, também conhecida como "Inevitável", é uma das três Moiras - as deusas do Destino. Ela escolhe o mecanismo da morte e com a sua tesoura corta o fio da vida de todos os mortais.

 

Na sua infinita sabedoria, os Gregos reservaram a inevitabilidade para a morte.

 

Infelizmente em Portugal há uns quantos de tesoura em riste, apregoando inevitabilidades, cortando a torto e a (pouco) direito, tornando o fio da vida cada vez mais frágil, raro.

 

Estes, porém, não são nenhuns Atropos, são apenas Tontos.

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