"Nada é sério, nada é grave, nada é verdade nesta cultura de panfletários sorridentes. Sobretudo, nada é incompatível..."
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"Nada é sério, nada é grave, nada é verdade nesta cultura de panfletários sorridentes. Sobretudo, nada é incompatível..."
Em "Seize The Day", Bellow critica, entre outras, a ideia romântica de que o presente é tudo o que há; o passado e o futuro não existem. A personagem principal (Tommy Wilhelm), um misto de orgulho e de baixa auto-estima, encontra-se numa profunda crise. Sem dinheiro e sem trabalho procura uma solução rápida, alguém ou algo que o ajude a ultrapassar a crise. Tommy acaba por se deixar seduzir pelo "carpe diem" do Dr. Tamkin, e, seguindo o seu conselho, arrisca as suas últimas poupanças num investimento bolsista arriscado, que não resultou.
Durante anos, Portugal, a fim de cumprir o défice de 3% do PIB via-se obrigado a tomar medidas ad-hoc, comprometendo receitas futuras e respectiva sustentabilidade das contas públicas (como agora se costuma dizer).
Com a troika o "carpe diem" à Dr. Tamkin tomou novas proporções. Em nome de um objectivo irrealizável destroi-se a economia, a sociedade e o futuro: um percurso suicida. Nada surpreendente pois, tal como escreveu Unamuno, "Portugal é um povo de suicidas, talvez um povo suicida."
No último episódio da quarta série do "Blackadder"- toda ela passada nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial - os generais ordenam um novo ataque de infantaria, uma marcha a pé contra a linha inimiga. Ciente que será um esforço em vão, Blackadder tenta sem resultado escapar alegando problemas mentais e acaba por morrer na terra de ninguém, porque, como ele diz, como é que alguém podia reparar noutro louco no meio de tanta loucura.
Lembrei-me deste episódio ao ver o comentário dominical de Marcelo Rebelo Sousa. Neste, o comentador louva a opção do PR de não requerer a fiscalização preventiva do OE porquanto a fiscalização sucessiva demorará até fins de Março. E, nessa altura, a Troika estaria de partida, pelo que não teria outra opção que não aceitar a correcção da meta do défice. Tanto mais, acrescenta MRS, que a meta do défice do OE é uma virtualidade, que ninguém acredita.
A loucura institucionalizada: ao mesmo tempo que se sabe que os esforços pedidos - cortes nas pensões e nos salários acima de € 600,00 - serão em vão e contraproducentes, defende-se a manutenção dessa medida por alguns meses de forma a manter as aparências, com claro menosprezo do sofrimento infligido.
Louco, tudo louco.
Our helplessness did not seem compatible with the idea of a man-made event.
A presente crise europeia é um evento puramente humano; foi fabricada e agravada pela acção e omissão de responsáveis políticos e financeiros. A insistência no erro da austeridade poderá ser, na sua interpretação mais benigna, um efeito da falácia dos custos afundados.
No entanto, o factor mais preocupante é a incapacidade do cidadão comum ou do país comum alterar este statu quo. Se uma política que foi devidamente comprovada pela experiência e pela teoria como um erro e que tem como oposição a maioria da população consegue ser imune à mudança, será possível falar em democracia.
Até à década de 60 do século passado, o indivíduo era invisível, na certeira expressão de Ellison; a sua identidade era abafada pelo manto da sua classe social, origem étnica ou nacionalidade.
A partir desse momento, existiu uma revolta individualista: a ânsia de ser diferente, de marcar diferença, de ser visível. E, como todas as revoltas, chegou-se ao extremo: os "novos" desportos presentes nos X-Games são individuais; e até o próprio marketing - num golpe de asa irónico - serve-se do desejo de ser único e especial para vender mercadoria produzida em massa.
Actualmente, o individualismo excessivo não nos tornou mais visíveis, apenas mais centrados nos nossos problemas, reduziu-se a empatia e afastou-se a ideia de pertença.
Sim, é verdade que "todos morrem sozinhos". A finitude é uma característica intrínseca de cada indivíduo. E, como escreveu DeLillo "to become a crowd is to keep out death". Por esse motivo há quem esteja disposto a dar a sua vida por uma causa, por uma instituição, pela família ou por um país, sabendo que ao contribuir para o bem comum atinge a imortalidade, afasta a morte, a sua presença perpetua-se no tempo.
Deste modo, uma sociedade individualista é uma sociedade condenada por que não conseguirá "manter a morte longe".
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