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Um dos grandes feitos dos ideólogos liberais foi transformar as empresas em entidades benignas de criação de emprego. Longe vão os tempos do conceito marxista da mais-valia - a diferença entre o valor do produto e a soma do valor dos meios de produção e do valor do trabalho - e da exploração do homem pelo homem.
Neste sentido, as políticas públicas devem acarinhar estas ONGs de emprego, se possível dando-lhes incentivos fiscais, não as taxar ou, no mínimo, reduzir o IRC a níveis simbólicos.
Sucede que o emprego não é um objectivo das empresas, é uma obrigatoriedade, um efeito, um mal menor necessário para a criação de riqueza. Atenção, há excelentes empresas, que tratam os seus trabalhadores de forma excepcional, procurando dar-lhes as melhores condições, monetárias e não só. No entanto, o seu objectivo - legítimo - é fazer dinheiro, obter lucro.
Esta importância exagerada dada às empresas em detrimento dos restantes actores desequilibrou perigosamente o sistema. Tal como naquela história de crianças sobre qual é o órgão mais importante do corpo humano, também aqui todos os intervenientes são imprescindíveis. E, enquanto não for reposto o equilíbrio a presente crise não será ultrapassada.
"A austeridade pode ser autodestrutiva" e "as medidas tomadas foram contraproducentes" são conclusões óbvias, previstos por economistas keynesianos e comprovadas pela realidade.
Na verdade, tais conclusões apenas são surpreendentes e dignas de notícia porque constam do relatório elaborado pela equipa do economista-chefe de uma instituição (FMI), que não só é uma das principais promotoras desta via, como, pelos relatos, pretende manter essa mesma política autodestrutiva e contraproducente.
Como escreveu Ralph Ellison, "Without the possibility of action, all knowledge comes to one labeled "file and forget". E, é esta impossibilidade de acção que deveria servir de aviso para todos aqueles que olham para a política com desdém. Ter razão não é suficiente.
Enquanto não for combatido e vencido este bloqueio todos os estudos, toda a realidade, todo o conhecimento acabam por ser arquivados e esquecidos.
Peter Ludlow argumenta que uma das interpretações do conceito "banalidade do mal", cunhado por Hannah Arendt, consiste em perceber o que acontece quando é apenas cumprida a "adequada" função dentro do sistema, seguindo a conduta prescrita em relação a esse sistema, enquanto se permanece alheado das consequências morais das acções do sistema, ou, pelo menos, ignorando essas consequências.
O infame episódio da TSU - após o anúncio de um corte brutal no rendimento "trabalho", Passos Coelho foi assistir a um concerto do Paulo de Carvalho - é um dos exemplos mais claros de como existe no Governo este alheamento dos efeitos (por vezes devastadores) que as medidas que propõe e defende provocam; o corte das pensões acima da quantia milionária de € 419,00 é apenas o exemplo mais recente*.
Infelizmente, este comportamento, tal como Ludlow refere, é bastante comum dentro de organizações altamente hierarquizadas, nas quais existem relações de subserviência. No entanto, o que confere ao "nosso" Governo uma característica peculiar é a forma como fundamenta as suas políticas com um alegado moralismo.
Neste sentido, há no Governo uma contradição interna: a fim de serem alcançados os compromissos estabelecidos com os credores (fundamento moral) são adoptadas medidas, cujas consequências morais são, por sua vez, ignoradas.
*E a alternativa? Tal como existiu alternativa à "TSU" também haveria alternativa ao corte das pensões. No entanto, a questão mais importante é se será possível mudar o próprio sistema, isto é, a austeridade.
Esta frase termina a maior parte das histórias que são contadas às crianças. Após uma série de desventuras, o fim desejado e alcançado é um estado perpétuo de felicidade. Desde novos que somos doutrinados que este estado corresponde ao alcançável e desejável - sem pressão, claro.
A felicidade tornou-se num vício e a sua impossibilidade de constância numa fonte inesgotável para o marketing e publicidade. Todos os produtos ou vendem a ideia de criação de felicidade ou que acrescem tempo livre às nossas vidas de forma a permitir fazer o que se gosta, que implicitamente é sinónimo de felicidade.
Sucede que a felicidade - como os escritores de distopias e os heroinómanos descobriram - apenas faz sentido se corresponder a um momento singular, único e especial. Caso contrário não haveria felicidade, apenas um torpor.
E a inevitável descida para o Algarve. Hordas de Hunos - um fenómeno também conhecido como "turismo em massa"- invadem a costa algarvia, deixando, onde antes havia pequenas vilas piscatórias, um rasto de aparthotéis, blocos de apartamentos e uma miscelânea de equipamentos de indústria hoteleira.
E, de todos os Hunos eu pertenço aos da pior estirpe: os que têm consciência que o são. Não só continuo a realizar as minhas investidas anuais como, por não gostar de outros Hunos e respectivas consequências, procuro locais pitorescos, calmos; o que leva a recomeçar ainda mais "desenvolvimento".
É assim de consciência pesada, que passo os dias ao sol, bebericando cerveja e alimentando-me de marisco. Vida dura.
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