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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

CTT

 

Um dos primeiros actos da 2ª Guerra Mundial foi a tomada de assalto dos Serviços Postais da Polónia, sitos na cidade livre de Danzig. Tal não ocorreu por mero acaso. Os Serviços Postais são, repito, um símbolo da soberania nacional.

Na advocacia costuma-se dizer que "mais vale um mau acordo que uma boa demanda". E parece ser essa a visão dos dirigentes do Partido Socialista. Sucede que as duas situações são incomparáveis: na primeira hipótese existe um litígio, cuja resolução depende de uma decisão judicial; enquanto que neste eventual acordo de "salvação nacional" não se percebe em que medida existe um litígio que engloba o PS.

 

A presente crise governativa ocorreu em virtude de divergências entre o PSD e o CDS, que, segundo estes, foram entretanto sanadas. O PS não teve qualquer papel no eclodir desta crise - o que não é nada abonatório para o seu papel como oposição - , nem a sua acção poderá impedir a prossecução das medidas que a presente e legítima maioria parlamentar deseja impor.

 

Neste caso, por que razão foi chamado o PS para negociar? E negociar exactamente o quê?

 

Ontem, este mistério adensou-se ainda mais com os discursos da actual Ministra das Finanças e do 1º Ministro, que não só defenderam as medidas tomadas, demonstrando os seus fantásticos resultados (sic), como consideram que deve ser mantido o mesmo rumo.

Se é verdade que o pensamento e a linguagem não se podem separar, porque a linguagem funciona como o suporte do pensamento. E que não há pensamento fora da linguagem, nem linguagem sem pensamento. Chega-se à conclusão de que um dos pilares da democracia - no sentido de debate de ideias - é o respeito pelas palavras (vd. "1984" de Orwell). 

 

Ora, recentemente tem-se assistido a uma degradação do discurso político: o uso excessivo de eufemismos (ex: "ajuda externa"); a disparidade entre a palavra e acção (ex: "irrevogável"); comunicações contraditórias e ininteligíveis (ex: Cavaco Silva). Tal degradação impossibilita qualquer hipótese de diálogo.

 

No entanto, o insucesso das conversações de "salvação nacional" - mais um conceito exemplificativo da perversidade do discurso hodierno - não se reduz a esta impossibilidade de diálogo, mas sim à impossibilidade objectiva da mesma. Os problemas que afligem uma nação nunca poderão ser resolvidos, num simples passe de magia, com a realização de uma ou várias reuniões.

 

A herança do sebastianismo pesa sobre os nossos ombros, a espera de uma solução milagrosa mantém-se. Primeiro, eram os cortes nas gorduras do estado, agora é o consenso.

 

Este não é um apelo à resignação. Acontece que o primeiro passo pela resolução de qualquer desafio é reconhecer os limites da nossa acção e perceber que a realidade é complexa e interligada, e que muitos dos problemas nem sequer estão dependentes da nossa vontade.

 

Em Portugal, todos os governos gostam de usar a linha propagandista: "somos um governo reformista". Não é, por isso, de estranhar que as duas principais figuras do Estado - Presidente da República e Presidente da Assembleia da República - sejam reformados.

 

Acontece que apesar de todo este ímpeto, a crise chegou a Portugal. O problema, ao que parece, era falta de reformas. Já tinham sido gastas todas as reformas nacionais, por isso foram importadas reformas do estrangeiro. Estes técnicos preparadíssimos iam colocar os mandriões dos portugueses na linha.

 

Afinal, os resultados não foram os previstos. Os técnicos eram bons, disso não há qualquer dúvida, porém não eram conhecedores da realidade portuguesa, e os portugueses, enfim já se sabem como são. 

 

E agora? Bom, são precisas mais reformas e estas não podem parar, pelo que a segunda melhor opção  -  a primeira seria um ditador - passa por celebrar um acordo de salvação nacional que mantenham em curso as necessárias reformas.

 

Enquanto o país continua a ser um gigantesco estaleiro, os jovens emigram, os nascimentos são menores que as mortes, e verifica-se um continuado envelhecimento demográfico.

 

Rumo a um país só de reformas.

"I am now 33 years old, and it feels like much time has passed and is passing faster and faster every day. Day to day I have to make all sorts of choices about what is good and important and fun, and then I have to live with the forfeiture of all other options those choices foreclose. And I'm starting to see how as time gains momentum my choices will narrow and their foreclosures multiply exponetially until I arrive at some point on some branch of all life's sumptuous branching complexity at which I am finally locked in and stuck on one path and time speeds me through stages of stasis and atrophy and decay until I go down for the third time, all struggle for naught, drowned by time. It is dreadful. But since it's my own choices that'll lock me in, it seems unavoidable - if I want to be any kind of grownup, I have to make choices and regret foreclosures and try to live with them."

O impulso de Cavaco Silva para que os partidos cheguem a um "entendimento" é mais um passo na consolidação da anti-política. Por isso gostaria de deixar um excerto de um texto meu de Novembro de 2011, que julgo que mantém toda a sua actualidade:

 

"No dia 9 de Novembro de 1989, o Muro de Berlim começou a ser derrubado, marcando o início do fim da Guerra Fria. Um fim surpreendente para um conflito que durara quatro décadas. Ninguém imaginava que um dos blocos implodiria por si, muitos julgavam que iria assistir-se a uma simbiose entre os dois modelos de desenvolvimento, uma síntese hegeliana.

 

O instinto estava correcto mas não ocorreu com a antí-tese imaginada. Em vez de existir uma sintese com o sistema soviético estamos a assistir uma síntese com o sistema chinês.

 

A partir do 1980, os governantes chineses foram sucessivamente substituidos por tecnocratas, fieis ao partido único, mas com um saber técnico e profissional que faltava aos "revolucionários originários". Esta alteração trouxe importantes implicações ao sistema político chinês (o original pode ser encontrado aqui):

 

- Em primeiro lugar, os actuais líderes chineses tendem a pensar que a política é como um projecto de engenhariacada problema tem uma solução, e quando a solução é encontrada, o caminho para a verdade deve ser claramente seguido, não sendo sujeito a quaisquer vozes dissidentes;

 

- Em segundo lugar, a política, ao invés de um processo aberto em que as pessoas devem participarse torna uma questão de engenharia social, com limites claros e soluções certasEm algum grau, a elite na China têm praticado uma política de anti-política, isto é, tentando acabar com a deliberação, conflito e participação;

 

(...)

 

Ora, ao olhar para o que se assiste diariamente na Europa e no mundo ocidental verifica-se que estamos a caminhar neste sentido. Um futuro com menos direitos, mais horas de trabalho e pior remunerado, o esvaziamento do discurso político e da legitimação pelo voto, por um poder tecnocrata alheado das aspirações dos eleitores."

"Nobody panics when things go according to plan, even if the plans are horrifying.", Joker.

 

Lembrei-me desta frase quando, de repente, instalou-se o pânico com a eventual queda do Governo. Sim, o défice no primeiro trimestre do ano atingiu os 10,6%; a dívida pública agrava-se; o desemprego aumenta; a recessão não tem fim à vista. Mas, para muitos, o pior que podia acontecer era a queda do Governo.

 

Algo que não se poderá dizer é que esta política não resulta. Ela tem resultados. Algumas vozes até afirmam que estes sempre foram os realmente pretendidos: redução dos salários, aumento das desigualdades sociais e do fosso entre ricos e pobres; eliminação do estado social.

 

Pretendidos ou não, a verdade é que estes são esperados. Existe uma espécie de consenso nacional da inevitabilidade do empobrecimento. Sem surpresas verifica-se que entre um comprovado mau plano e um salto no desconhecido, a escolha recaí quase sempre na primeira opção.

 

 

 

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