Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

A partir de amanhã a minha vida vai mudar. Em tempos de crise vou poder comer bifes mais do que uma vez por semana. A partir de amanhã é a doer, é o primeiro dia do resto da minha vida, essas coisas. A partir de amanhã mudo de vida no meu país. Na minha cidade. Estou contente e com crise de crohn ao mesmo tempo. Coisas.

 

Movimento aparente, a ilusão de óptica do qual o cinema depende para existir, consiste numa série de sucessão rápida de imagens estáticas que criam a ilusão de movimento.

 

Ora, da ausência de política e da verdadeira democracia poderia levar à ideia conspirativa que existe um poder oculto, que decide, provavelmente reunidos numa cave escura, os destinos do mundo - uma ilusão. Se nem o cartel de lâmpadas eléctricas - Cartel Phoebus - durou mais do que quinze anos é improvável, para não dizer impossível, a existência deste poder nas sombras.

 

O que existe é um sistema que prospera numa espécie de automatismo cego. Um sistema que vive para si no qual a economia e a finança deixam de ser um instrumento de melhoria das condições de vida e são um fim em si mesmo.

 

O sistema encontra-se de tal forma enraizado que a mera sugestão de alguma relativização da importância da economia e equilíbrio é visto como um ataque intolerável ao próprio capitalismo.

 

- Samizdat (Parte 1)

Em Outubro de 1978, Václav Havel escreveu um dos mais famosos samizdat: "O poder dos sem-poder". E, se actualmente existe um sentimento dominante na população portuguesa não é cansaço, desalento ou tristeza mas sim impotência. 

 

Poderá parecer abusivo tentar comparar o presente contexto com a Checoslováquia sob o jugo da URSS, mas quando Havel fala em pós-totalitarismo refere que este é fundado no encontro histórico entre ditadura e a sociedade de consumo (sim, existia consumo por trás da cortina de ferro). Deste modo, no nosso encontro histórico entre a democracia e a sociedade de consumo surge, na minha opinião, a pós-democracia, termo cunhado por Colin Crouch, no qual a energia do sistema político, desaparecida da arena democrática, foi transferida para os acordos entre as elites políticas e económicas. A democracia e respectivas instituições estão reforçadas mas a política encontra-se vazia de conteúdo.

 

Por outras palavras, não existe democracia no seu sentido etimológico pois aquilo que é sufragado não tem correspondência no efectivo exercício de poder. O conteúdo da política está pré-determinado. Por sua vez, esta dissonância conduz a uma apatia perante a coisa pública, traduzido no frase "são todos iguais". O que aumenta ainda mais o fosso entre a política e o cidadão. 

 

O próprio espaço público, sequestrado por interesses privados (ex: estação de metro do chiado renomeado PT Blue station), contribuí para que o cidadão deixe de olhar para fora, preocupando-se apenas consigo mesmo.

 

Com efeito, no próprio ensaio Havel alerta o ocidente da tendência humana para cada pessoa, de alguma forma, sucumbir a uma profana banalização da sua humanidade inerente, e ao utilitarismo. Em todos nós há alguma vontade de fundir com a multidão anónima e fluir confortavelmente junto com ela descendo o rio de pseudo-vida. Isto é muito mais do que um simples conflito entre duas identidades. É algo muito pior: é um desafio para a própria noção de identidade própria.

17 anos, Messi entra a meio de um jogo da La Liga contra o Albacete. Camp Nou, como habitual, cheio. Ronaldinho descaí do lado direito para o centro, levanta a cabeça, pica a bola sobre a defesa adversária. Messi recebe a bola com o pé esquerdo e faz um chapéu ao guarda-redes adversário. O estádio vai ao rubro, primeiro golo do Messi ao serviço da equipa principal do Barcelona. Um apito, a bandeira do arbítro auxiliar está levantada. Fora-de-jogo. Golo anulado.

 

Um minuto depois, Ronaldinho pica a bola sobre a defesa adversária. Messi ao primeiro toque faz um chapéu ao guarda-redes adversário. O estádio vai abaixo. O primeiro golo do Messi tinha que ser mesmo um chapéu. 17 anos.

 

O ano passado a minha prenda de anos foi um internamento de mais de uma semana no hospital S. João. Entrei nas urgências com dores incríveis na barriga, soluços, não comia nada há três dias, estava a chá e a bolachas há uma semana, estava desesperado. O diagnóstico foi doença de Crohn. Tomo agora medicação para a vida. Não tive mais nenhum episódio destes, mas não estou livre disso, a medicação pode vir a falhar. E, muito provavelmente, algures na minha vida vou ter de ser operado para retirar a parte inchada dos intestinos. Tive um tratamento incrível no S. João e ainda hoje tenho lá consultas a cada três ou seis meses.

 

Mas como disse atrás, estive três dias sem comer. Nesses dias já estava muito mal. E como tal, dirigi-me às urgências a que tinha de me dirigir na minha zona, as urgências do centro hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho. Compreendo que o Crohn seja difícil de detetar (embora no S. João tenha sido a primeira coisa que disseram) mas a primeira hipótese que lá colocaram foi anorexia. Eu, que nada sei do assunto, nada disse. Mas lembrei-me imediatamente de todas as francesinhas que comi na minha vida. Fizeram testes, deram-me umas drogas, priperam, creio, e mandaram-me para casa. Eu estava mesmo mal, mas dei o benefício da dúvida. "Vamos ver se fico melhor", pensei.

 

Passadas nem 24 horas, estava de volta. As dores estavam piores e nem comprimidos conseguia tomar. Quando fui atendido o médico recebeu-me assim: "Esteve aqui ontem à noite! Por que está de volta?" Respondi que estava pior. A resposta dele foi: "Vai tomar priperam e vai para casa." E fui. Não melhorei. Fui para o S. João.

 

Passou um ano. Vou ao correio e tenho lá uma carta do centro hospitalar a dizer "... que se encontram em dívida as taxas moderadoras..." Sabem o que podem fazer às taxas?

O fascínio que as pessoas nutrem pelo fogo de artifício leva-me a questionar a minha indiferença. Vejo o espectáculo pirotécnico como um pobre substituto das estrelas agora infelizmente cobertas sobre um manto de poluição.

 

No entanto, nos dias que correm sorrio a cada explosão de foguetes. Para tal imagino o desconforto que causa aos pobres economicistas observar um completo desperdício de dinheiro, literalmente queimado. 

Mais sobre mim

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2015
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2014
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2012
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2011
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2010
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2009
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2008
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2007
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D