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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

Num misto de português e de português de Futre consegui entender-me com a recepcionista do meu Hotel, sim finalmente havia chegado o momento solene do check-in: inclinei a cabeça, estendi o pulso, musica celestial ecoava por todo o lobby enquanto a almejada pulseira me era colocada, orgulho e responsabilidade enchiam-me o peito. 

 

A partir daquele momento, e durante uma semana, viveria o sonho comunista em que o dinheiro era tão só uma relíquia de tempos idos. Às duas palavras, que acompanharam-me durante toda a estadia, "Tudo bien?" respondia invariavelmente com um "gracias", antecidido de um nome de uma qualquer bebida.

 

Confesso que fiquei literalmente embrigado de poder, um poder hipnotizante que era exponenciado pelos obrigatórios "Buenos dias"com que era contemplado sempre que passava por algum funcionário. A meio da semana já passeava altivo pelos corredores distribuindo "buenos dias" pelos "meus funcionários", mais uns dias e corria o risco sério de transformar-me num novo Kurtz.

Vivem-se tempos indefinidos, ou melhor, não se vivem, foram ultrapassados, está-se para além do tempo, tudo é pós: pós moderno; pós religioso; pós político; pós ideológico.

 

O nosso Zeitgeist é um vazio, uma ausência, a página em branco no fim de um livro. Nada acontece. Susta-se a respiração, hiberna-se em distracções várias e espera-se que este Inverno do descontentamento passe rápido.

 

A vida transformou-se numa infinita sala de espera, tudo é temporário, os cortes são temporários, os empregos temporários...

 

Enquanto se aguarda sobrevive-se: o entusiasmo substituído desolação; a coragem pelo medo oriundo da incerteza; a inocência pelo cinismo, ou, nas palavras de Lyotard “a incredulidade perante metanarrativas”.

"Por detrás daquela porta de vidro era o México", pensei eu - finalmente havia chegado. Caminhei os últimos metros com muita expectativa, o corredor alongava-se a cada passada. A porta abriu-se:

 

"Ah, é isto o México?" - a cor cinza do betão, do asfalto confundia-se com a do céu, o sol de certo encontrava-se retido na alfandega, mas isto teria que melhorar.

 

No exterior amontoavam-se cartazes com nomes como se fossem anúncios de pessoas desaparecidas. Rapidamente e sem grande esforço encontrei com muito melhor aspecto do que suspeitava a carrinha que me iria levar ao hotel.

 

Mais um percurso, mais uma viagem agora pelas auto-estradas mexicanas. O entusiasmo já me tinha abandonado com a primeira refeição no avião. A única coisa que queria era chegar. E quem diz que o melhor da viagem não é o destino mas o percurso devia ser largado no meio do deserto sem água, queria ver se não ia mudar de ideias quando chegasse finalmente a um oásis.

 

No México, como em todos os países sem falta de espaço, as estradas são desenhadas com régua e esquadro. Resultado não há curvas, apenas uma enorme recta. Uma enorme recta interpolada por lombas numa frequência demasiado elevada - provavelmente a única forma que as autoridades têm de evitar massacres nas estradas - e ladeada por pequenas tascas anunciado pepsi ou coca-cola, por pequenas e humildes casas térreas meio construídas, ah e por resorts de luxo.

"(...)
Donde los jeques 
blanquean los cheques 
del petrodólar 
y marean a don Quijote 
con un lingote 
de pepsi cola.
(...)
Si a ratos me puso cuernos la fortuna, 
fue de forma fraudulenta. 
La patria es una fulana, 
menos mi madre y mi hermana, 
no hay coño que no esté en venta."
 

Após 12! horas de viagem estava no México. Viagem longa e cansativa para os meus parâmetros de turista mimado, um instante para os nossos antepassados. O que eu mais desejava naquele momento era chegar ao Hotel mas a odisseia ainda estava longe de terminar.

 

Logo à saída da manga que ligava o avião ao aeroporto havia uma fila para mostrar um formulário, que como é natural tinha um campo por preencher; a seguir uma outra fila para recolher a mala; mais uma fila para mostrar o passaporte e ainda outra fila para entregar o formulário que havia mostrado na primeira fila.

 

Se a paciência com filas não abunda, chegado à terceira tive vontade de gritar com os mexicanos a perguntar se era assim que queriam tratar os turistas que como eu traziam preciosas divisas para o seu país, que deviamos era ser recebidos de passadeira vermelha, seus igratos: tinha acabado de atingir o ponto 8,7 na escala de turista mimado. 

 

Felizmente, nessa altura, lembrei-me da loja do cidadão e da frase de Homero "Aguenta, coração; tu no passado já sofreste coisa pior." 

Por vezes são os galardoados a distinguir os prémios, a dar-lhes importância. A entrega do Prémio Príncipe das Astúrias das Letras a Philip Roth é um desses casos.

 

Como agora irão aparecer muitos textos biográficos sobre a sua obra, prefiro deixar a cena inicial de "Faces de Harry", que segundo alguns rumores foi baseado nele (se bem que a linha narrativa é tirada do maravilhoso "Morangos Silvestres").

 

 

Ah, é verdade se nunca leram comecem pelo hilariante Complexo de Portnoy

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