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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

"Erst kommt das Fressen, dann die Moral" (Primeiro a comida, depois a moral*), presente n' "A Ópera dos três vinténs", é porventura a frase mais emblemática de Brecht.

 

Em tempos de crise - a peça foi escrita em 1928, na Alemanha de Weimar - em que a moral, os valores são abalados, escolhas têm que ser feitas, torna-se fundamental regressar a esta frase simples.

 

Infelizmente, muito pouco, quase nada, se alterou desde essa altura. Um retrato assustadoramente real do nosso quotidiano. Continua-se a privilegiar a “comida” no seu sentido mais lato – aliás Brecht em vez de escolher a palavra Essen optou por Fressen -  mais animalesco, de ânsia, de desejo consumista.

 

Tenta-se esquecer os infâmes diamantes de sangue; opta-se por não saber como são obtidas as matérias primas necessárias aos produtos de tecnologia (Congo, que apenas parcialmente ficou resolvido); desvia-se o olhar sobre as praticas de determinadas fábricas de trabalho intensivo ao serviço das multinacionais; realpolitik continua a ditar as suas regras sob o manto da ausência de alternativas...

 

Agora a versão do Tom Waits desta música de Brecht e Weil:

 

 

 

 

 

*Calma, por favor não embarquem numa intrepretação literal da bondade desta prerrogativa e comecem com iniciativas tipo Movimento Zero Desperdício, na falta de melhor comparação pensem na "Greed is good" do Gekko.

 

 

No Porto, a gelataria Sincelo é famosa tanto pela qualidade dos seus deliciosos gelados artesanais como por ter a mesma decoração, cadeiras, mesas, fardas dos empregados e praticas (o copo de água fria que acompanha os gelados) imutáveis desde a sua abertura, há cerca de 30 anos.

 

Num mundo composto de mudança, obsessivo de renovação e de novidade, são necessárias âncoras capazes de nos segurar por entre a torrente do eterno devir. Locais, como o Sincelo, fazem-me sentir aconchegado, seguro: lá fora tudo muda enquanto cá o tempo está suspenso.

 

Não, não é nostalgia – não embarco numa viagem proustiana a cada colher de gelado – é sentir o presente igual ao passado, “apenas” isso.

 

No entanto, este sentimento tem de ser autêntico, não pode ser forjado, artificialmente criado através a utilização de um filtro sépia numa fotografia à moda do instagram.

 

Os anos têm que passar sobre os locais e estes resistirem como puderem até criarem esta aura de conforto.

 

Fica-se maravilhado pelo moderno e inovador mas apenas com o perene encontra-se o sossego.  

No dia 2 de Junho, Stevie Wonder vai actuar no festival Rock in Rio. Já não bastava perder o Boss agora também não vou ver o Stevie (trocadilho não intencional), felizmente bilhetes para os Ornatos já cá cantam.

 

Provavelmente Stevie Wonder é, dos grandes, o artista mais injustamente criticado pela minha geração. A culpa é da "I just called...". Durante anos a opinião que tinha sobre ele decorria daquela música, o que será tão redutor como qualificar os Beatles com base na Obladi Oblada.

 

Felizmente depois percebi que nos anos 80 o bom gosto, por ser um bem escasso, foi na sua totalidade afecto aos que nasceram nessa década, deixando muito pouco, quase nenhum, bom gosto para outros fins, pelo que fui descobrir a sua oevre.

 

O seu "período clássico" deixou-me estupefacto: ele não era só um génio (tocava praticamente todos os instrumentos nos albuns) como eu, sem saber, conhecia grande parte das suas músicas, utilizadas como samplers ou em simples covers.

His father works some days for fourteen hours 
And you can bet he barely makes a dollar 
His mother goes to scrub the floor for many 
And you'd best believe she hardly gets a penny 
Living just enough, just enough for the city...yeah

 

 

A (única) vantagem de ter o carro parado - a aguardar conserto na oficina durante duas semanas - é o dinheiro que poupei em gasolina. A sensação semelhante de alivio ocorre quando no monopólio as ruas estão cobertas de casas e hotéis e somos mandados para a prisão: é chato não poder sair do sítio mas livra-nos de despesas.

 

A má noticia é que à terceira jogada/semana paga-se a multa/conta e voltámos para o circuito sem que ninguém tenha ainda descoberto petróleo no Alentejo ou uma palhinha tamanho xxl. 

"Os britânicos foram extraordinariamente tolerantes face aos sacrifícios impostos - em parte porque julgavam que esses sacrifícios era equitativos. (...) A sensação que não havia alternativa e que o Governo é que sabia melhor fez a primeira geração inglesa do pós-guerra, na visão de David Lodge, cuidadosos, apagados, gratos por pequenas misericórdias e modestos nas suas ambições."

 

Tony Judt, "Postwar".

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