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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

Em conversas com amigos, vi muitos deles pouco animados com este regresso de Ornatos. Dizem que fez sentido na altura, que o Manel da altura já não é o de agora, que parece uma tentativa de fazer dinheiro. Para mim, nada disso me interessa. As músicas dos Ornatos ainda me dizem alguma coisa? Sim? Então vamos a isso! E bilhete para o coliseu do Porto já cá canta.

 

 

Infelizmente, parece que o Ministro da Educação não é leitor deste blog (pausa para espanto) porque se o fosse tinha lido este artigo, e, pelos vistos, também não liga muito ao New York Review of Books, temos pena. 

 

Porque assim teve a ideia brilhante de anunciar o regresso de exames no fim do quarto ano de escolaridade, que valerão 30% da nota final do aluno, tornando Portugal caso único na Europa. Voltando a Almeida Negreiros "Em Portugal educar tem um sentido diferente; em Portugal educar significa burocratizar."

 

No entanto, o actual Ministro da Educação conseguiu - o que não era nada fácil, pelo que é merecedor de elogios - ter uma ideia ainda pior: pretende permitir a constituição de diferentes grupos de estudantes consoante o seu rendimento escolar.

 

Uma das teorias mais famosas de sociologia é a chamada Labeling Theory, que foca a forma como a identidade e o comportamento de indivíduos pode ser determinada ou influenciada pelos termos usados para os descrever ou classificar. Existe a criação de um estigma que depois o individuo procura seguir, visto que é papel que a sociedade espera que ele reproduza.

 

Esta teoria é sobretudo utilizada na área da criminologia mas há diversos estudos (aqui e aqui) que transpuseram a sua aplicação para a sala de aulas com eficácia.

 

Assim, a divisão entre bons e maus alunos produz efeitos contrários ao pretendido, encerra o aluno no papel de mau, fecha os seus horizontes. Não só o aluno conforma-se com o que é esperado dele, isto é, que seja um mau aluno, como também os professores conformam-se com esse estatuto, modificando subconscientemente a forma como se relacionam e interagem.  

 

FMI

 

No topo das montanhas, reunidas certas condições, acontece o fenómeno da imagem, designado como "Espectro de Brocken": uma sombra que se estende por diversos quilómetros e um halo.

 

Neste momento, a sombra de resignação cobre Portugal. Resignação à pobreza, ao desemprego, às insolvências, à deterioração das condições de vida. Sobre o halo de saber técnico e competência é vendida a narrativa de excessos, de uma vida acima das possibilidades do país, que apenas o regressar à casa portuguesa pobre e asseada pode resolver.

 

Os factos, os números não corroboram esta narrativa. Houve alguns excessos, sem dúvida, como sempre houve. No entanto, estes excessos não invalidam a busca de qualidade de vida, de uma sociedade menos desigual, mais justa...

 

Parafraseando Almada Negreiros: os jovens forçados a emigrar, que são cada vez mais, não têm culpa de serem portugueses e têm o direito a uma pátria que os mereça.

Na ficcional República de San Lorenzo, o culto da religião "Bokonismo" é punida com pena de prisão. E, no entanto, todos os seus habitantes são praticantes do bokonismo, inclusivelmente o seu ditador.
Conforme parodiado por Vonnegut a criminalização de determinado comportamento é por si só insuficiente para que a sua pratica deixa de existir. Fiscalização e assimilação das normas por parte da sociedade são factores bem mais preponderantes: Teoria das Janelas Partidas.
As formas de evitar a evasão fiscal passam, assim, por um uso criterioso e produtivo dos fundos públicos e, sobretudo, por um cumprimento pontual do contrato social, o que não tem sucedido, por exemplo quando o nosso "de facto" 1º Ministro afirma que o subsídio de desemprego será apenas para quem precisa.
Um Estado que não actua de modo sério produz um manto de cinismo sobre os cidadãos: perante o não cumprimento do Estado é mais do que natural que o vínculo se rompa e, em sentido contrário, o seu cumprimento fortaleça esse vínculo. 

 

No início do ano, a Mercedes-Benz usou a imagem de "CheGuevara para tentar vender carros de luxo. Por cá a Câmara Municipal de Santa Comba Dão procura rentabilizar a marca "Salazar".

 

Os líderes religiosos sabiam que o excessivo uso de símbolos, a sua banalização conduziam ao seu esvaziamento, tornavam-se simples caricaturas (como nos exemplos supra). E, por isso criaram a figura da blasfémia. Os nossos juízes, por sua vez, consideram que nas partes do território nacional (norte) em que existe um uso corrente e regular de palavras consideradas injuriosas estas perdem parte da sua gravidade. 

 

gravitas de uma palavra, o seu peso e importância, desgastam-se pois com o uso, erodindo um pouco com cada utilização - sempre que é pronunciada, escrita - até restar simples sons, leves como o vento, sem peso, sem gravitas.

 

Acabei de ler "Gravity's Rainbow" de Pynchon* (pausa para aplauso). Este livro, com cerca de 900 páginas e mais de 400 personagens, um labirinto de becos sem saída e episódios surreais que faz com o que os filmes de David Lynch pareçam uma narrativa linear, famoso por ter sido galardoado com o prémio Pulitzer, decisão que foi revogada pelos restantes membros do júri, é um puro sangue dificil de domar. A qualquer momento parece que nos foge, torna-se incompreensível, mas do mesmo modo rápido que dispara para a estatosfera regressa ao nosso controlo, domado mas capaz de nos surpreender com belas passagens que nos deixam com mais perguntas do que respostas.

 

E o que dizer do livro? Gostei. Qual é a história? Como assim. O enredo? Não percebo a pergunta, qual é a história do "I am the Walrus"? É uma viagem, uma reflexão sobre o destino, apocalipse, destruição, amor, submissão, poder. 

 

 * Famoso por não ser famoso: a sua vida privada é privada, não dá entrevistas nem embarca nas chamadas "tournées de livros" e as únicas fotos conhecidas são dos seus tempos de faculdade.

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