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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

 

No fim da adolescência há uma pressa de sair, uma vontade de partir, seja por onde for, largar por aí fora, pelas ondas, pelo perigo, pelo mar, pelas noites misteriosas e fundas. Ir, ir, ir, ir de vez! Uma vida cheia de ânsias que a realidade ainda não estreitou. 

 

Mas a realidade chega e envolve as ânsias num suave torpor; afunila o horizonte; ancora os desejos. Nascem raízes - boas raízes. Estas crescem, tornam-se cada vez mais profundas, agarram e embalam-nos. O desejo de partir não desaparece, modifica-se: a viagem é sempre de ida e volta.

 

E se essa realidade não chegar? Se o solo pátrio não permitir que as raízes penetrem no seu ventre, agora, árido e infértil? Centenas, milhares de jovens obrigados a emigrar. Um êxodo. Um desperdício dos melhores e mais capazes. Uma geração perdida.

Neste fim-de-semana senti orgulho em ser portista. O quê?! Sentir orgulho após dois resultados deploráveis: uma derrota contra uma equipa da quarta divisão europeia; e um empate e exibição paupéria, sem imaginação e estofo de campeão.

 

Costuma-se dizer que a verdadeira personalidade revela-se, não em alturas de sucesso, mas em tempos de dificuldade e infortunío, quando as marés de azar batem à nossa porta. 

 

Ora, o Porto, no jogo contra o Olhanense, teve, segundo os entendidos, duas grandes penalidades a seu favor que não foram assinaladas: uma discutível mão na bola de Mexer (infelizmente parece que actualmente tudo que toca na mão é falta) e uma falta do mesmo Mexer sobre o Hulk.

 

Pese embora estes incidentes, não ouvi, quer de parte da estrutura quer de quase a totalidade dos adeptos, qualquer referência a estas duas penalidades (e ainda bem que assim não o foi) cinjindo-se as críticas ao funcionamento da equipa, à falta de garra e confiança, à inoperância do treinador. 

 

Outros clubes menores teriam-se agarrado, com unhas e dentes, a estas duas penalidades para branquear o desaire. Os treinadores e dirigentes teriam levantando suspeitas e cabalas, sombras do sistema ou outras histórias de embalar a fim de ludibriar os seus adeptos, assinalando causas exógenas como origem dos maus resultados.

 

Essa atitude de desresponsabilização faria apenas eternizar a crise, os jogadores não sentiriam a necessidade de correr mais, jogar melhor porque no fundo a culpa era dos arbítros. Mas o verdadeiro campeão não é assim. O verdadeiro campeão vai buscar a cada dificuldade força para lutar mais e melhor, a cada injustiça mais vontade de se superar.

 

Isto é ser Porto! E foi por isto que senti orgulho.

Eddie Key, personagem de "Breakfast of Champions", foi o escolhido pela sua geração para memorizar toda a história da sua família. Ele, como receptáculo deste conhecimento, sentia que era um veículo, um veículo para o futuro da sua herança geneológica, e que os seus olhos eram um pára-brisas através do qual os seus antepassados, caso quisessem, podiam observar o mundo.

 

Numa época de individualismo e de, ao mesmo tempo, uniformização e globalização de costumes e regras, de aplicação de modelos descontextualizados do tempo e local, sob o pretexto de uma alegada sofisticação superior (veja-se como o Hallloween tem ganho importância entre nós), as raízes culturais e a história comum dissipa-se. O indíviduo atomiza-se, torna-se numa ilha, não existe sentimento de pertença. E, sem esse sentimento há indiferença perante a res publica, o bem comum. 

 

Torna-se imprescindível, não um regresso às origens, mas um relembrar das raízes, da cultura de cada povo, gritar como o homem do leme perante o Mostrengo:

"Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;"

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