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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

No império romano, as autoridades, a certa altura, decidiram colocar uma marca distintiva - uma espécie de braçadeira - em todos os escravos de forma a não serem confundidos com cidadãos romanos*. No entanto, rapidamente esta norma foi revogada. Nas ruas do império rapidamente se verificava que o número de escravos ultrapassava grandemente o número de cidadãos, pelo que se corria o risco dos escravos unirem-se e revoltarem-se contra o statu quo. 

 

Actualmente, as medidas políticas (por exemplo o reforço da contratação individual, o conceito de utilizador-pagador, etc) têm conduzido a um cada vez maior isolamento de cada cidadão, fundamentado no pressuposto de liberdade pessoal e independência. Quando o verdadeiro fundamento resume-se ao velho ditado: dividir para reinar.

 

Divididos, agrava-se a sensação de impotência perante o mundo, a sociedade, o mercado de trabalho. As medidas, apelidadas de inevitáveis, são aceites com resignação por um cidadão isolado, que se vê sem poder real para as combater. A democracia, baseada na soberania do povo, vai perdendo o seu sentido enquanto não nos apercebermos do impacto real que cada um de nós, unidos como grupo, podemos ter.

 

 

* Desconheço se a história é ou não verdadeira, ou se é apenas um mito urbano, porém nunca se deve estragar uma bela história com factos.

"Major Major's father was a sober God-fearing man whose idea of a good joke was to lie about his age. He was a long-limbed farmer, a God-fearing, freedom-loving, law-abiding rugged individualist who held that federal aid to anyone but farmers was creeping socialism. He advocated thrift and hard work and disapproved of loose women who turned him down. His specialty was alfalfa, and he made a good thing out of not growing any. The government paid him well for every bushel of alfalfa he did not grow. The more alfalfa he did not grow, the more money the government gave him, and he spent every penny he didn't earn on new land to increase the amount of alfalfa he did not produce. Major Major's father worked without rest at not growing alfalfa. On long winter evenings he remained indoors and did not mend harness, and he sprang out of bed at the crack of noon every day just to make certain that the chores would not be done. He invested in land wisely and soon was not growing more alfalfa than any other man in the county. Neighbors sought him out for advice on all subjects, for he had made much money and was therefore wise. "As ye sow, so shall ye reap," he counseled one and all, and everyone said, "Amen."

 

Major Major's father was an outspoken champion of economy in government, provided it did not interfere with the sacred duty of government to pay farmers as much as they could get for all the alfalfa they produced that no one else wanted or for not producing any alfalfa at all. He was a proud and independent man who was opposed to unemployment insurance and never hesitated to whine, whimper, wheedle, and extort for as much as he could get from whomever he could. He was a devout man whose pulpit was everywhere. "The Lord gave us good farmers two strong hands so that we could take as much as we could grab with both of them," he preached with ardor on the courthouse steps or in front of the A & P as he waited for the bad-tempered gum-chewing young cashier he was after to step outside and give him a nasty look. "If the Lord didn't want us to take as much as we could get,"(...)

 

in Catch-22, Joseph Heller

 

Este fim-de-semana, senti-me como o Professor Kugelmass mas, em vez de Madame Bovary, entrei no meio de Money, de Martins Amis.

 

A noite começou com rodízio brasileiro, não será propriamente fast-food, mas a rapidez com que chegava mais e mais carne acabou por esbater em absoluto a diferença; e acabou num bar alternativo, de má fama, com pouca luz e muito fumo. O ritmo sincopado de holofotes acompanhado de música a uns decibéis muito acima do tolerável impediam o raciocínio, qualquer que ele fosse. Dispersos pelo Bar encontravam-se espelhos vampíricos que não reflectiam a figura dos clientes, impedindo o desconforto do confronto, o assumir da sua presença naquele local. Em nenhum outro local constatei tão puramente o poder do dinheiro, o seu toque de Midas: em tudo o que toca retira autenticidade, transformando tudo numa silhueta plastificada. 

 

Segunda-feira acordei. Pensava que tinha saído finalmente do baú do Persky, que tudo tinha regressado à normalidade, quando ouvi que o AVB se tinha despedido do Porto para ir para o Chelsea.

 

Afinal, nunca cheguei a sair do Money...

"Ouve o B. Fachada e vais ver que ele é um novo Godinho", disse-me este camarada. Como conhecemos os nossos gostos muito bem, não hesitei em ir ao iTunes comprar o cd "B Fachada" e preparar-me para uma delícia musical. Mas a verdade é que no fim da audição do cd eu não estava impressionado. Tinha uma maneira estranha de cantar, um estranho que não parecia bom como o do Manel Cruz. Não liguei muito às canções, não prestei atenção às letras. Pus o cd de lado e não mais pensei no assunto. 

Mas certo dia, (há sempre um certo dia), estou a passear pela fnac e vejo um cd com uma capa que chama a atenção e que se chamava "B Fachada é para meninos". Olha este tipo, pensei. Vou levar e dar mais uma hipótese. Ponho o cd no carro, encosto o banco e a abrir o cd ouço isto:

 

 

Do início ao fim, apaixonei-me pelo cd. Finalmente ouvia um cd excelente para crianças, com letras muito bem trabalhadas que não entram na asneira do "sou eu assim sem você...". O cd ficou em modo repeat no carro durante semanas. Então e o primeiro cd, pensei eu. Tirei-o da estante e limpei o pó, que é como quem diz, voltei a instalar no iPod e fui ouvir mais atentamente. O Fachada era então como a coca-cola: primeiro estranhei, mas depois ui, ui.
E pronto, também estava viciado no cd inteiro, já eram dois dele em modo repeat no carro.
E de repente, lembrei-me que o Fachada tinha uma homenagem ao Godinho. Mas caramba, não encontro nada disso nos cds! Vou ao mac e vejo que o Bernardo tem uma série de cds editados espalhados pela net. E de repente o meu iTunes passou a ter 65 músicas dele. 65! Desde 2007! Ora bolas, agora tinha muito para ouvir. Mas comecemos pela do Godinho, do disco "Há festa na Moradia":
Brilhante. Se for verdade o que B. diz na música "Zappa Português" ele vai tentar fazer dois discos por ano. Eu por mim agradeço. Mesmo que não faça mais nada, para mim Fachada já tem um lugar entre os melhores na recente música portuguesa. É que quanto mais eu descubro, mais eu gosto.
E para melhorar ainda isto tudo, ele colocou para download na última semana um disco chamado "Deus, pátria e família". Um disco de protesto, com uma só música de vinte minutos onde são ditas coisas como "Portugal está para acabar, é deixar o cabrão morrer. Sem a pátria para cantar, tenho o mundo para viver". Ou "Eu não sei português e que se foda Portugal. Eu canto em fachadês, a minha língua paternal". Há quem diga que é um novo fmi. Quanto a isso não sei. Sei que passei agora a ter 66 músicas e que este último também já está em repeat. Fica aqui um pouco desses 20 minutos.

Uma das vantagens de passar o feriado fora de casa é que me pude esquivar das celebrações do 10 de Junho (a única  suportável foi a que transformou os Xutos em Comendadores!) e respectivos discursos. 

 

O nosso mestre de cerimónias, o Billy Crystal do 10 de Junho, - que vai já na sua terceira vez - apontou as suas baterias à Constituição, que foi designada como sendo uma das responsáveis pelo nosso atraso.

 

Antes de proceder à defesa da honra da nossa Constituição um ponto prévio.

 

As críticas à constituição não são novas, nem recentes, porém espantam-me que estas venham de um sociólogo. Se há algo de intrinsecamente português é a atitude laxativa e pouco rigorosa perante as normas. Estas nunca são consideradas imperativas mas maleáveis, sendo alvo de adaptação por cada português para cada caso concreto, sendo racionalizada a razão de cada excepção: estacionamentos em segunda fila ("é por apenas alguns segundos") ou o uso generalizado de recibos verdes ilegais ("serve para facilitar a vida do trabalhador, ou melhor, colaborador") são apenas alguns dos diversos exemplos. Nem o Presidente da República escapa a este sentimento "pragmático" quando tenta acelerar a tomada de posse do Governo, ultrapassando, com isso, algumas normas da Constituição que jurou defender.

 

Mas adiante.

 

É unanimemente defendido que desde a Assembleia Constituinte que aquele hemiciclo não viu um conjunto de mentes tão capazes, inclusivamente tendo a participação do Dr. António Barreto. Então o que aconteceu? Afinal qual é o problema da Constituição?

 

Comecemos pelo artigo 1º que estatuí o seguinte: Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. De facto, isto é infelizmente "anacrónico, barroco e excessivamente programático", talvez o erro não esteja na Constituição mas sim no desvio que fizemos nos últimos quarenta anos, quando nos deixámos de empenhar na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Imbuído no espírito desta data, aproveitei o feriado para visitar Portugal "profundo" - expressão a todos os títulos ridícula, até porque actualmente de Portugal nem o Pico encontra-se à tona - mais precisamente a região de Trás-os-Montes, um simples roteiro entre Chaves, Montalegre, Boticas e Vidago.

 

A visita foi boa, o passeio agradável, comida de chorar por mais e depois chorar por se ter comido demais, a companhia de sonho e uma certeza: em vez de Passos Coelho, devíamos ter elegido um novo Sancho I, em alternativa, caso não fosse possível, um Rocco Siffredi ou um Nacho Vidal, de forma a evitar a transformação do nosso país num aglomerado de cidades e vilas fantasmas. 

 

A má notícia é que não podemos contar com o auxílio do nosso Chefe de Estado, uma vez que este não sabe "o que é preciso fazer para que nasçam mais crianças em Portugal". Afigura-se que este dois senhores supra mencionados, caso fossem Primeiro-Ministro, explicariam, nas reuniões semanais com o Chefe do Estado, as ferramentas necessárias para o aumento de natalidade.

 

A boa notícia é que o clube das virgens fechou, por isso parece que ainda poderá haver salvação para Portugal. 

Numa cena famosa (não serão todas?) de "Citizen Kane", Leland avisa Charles Foster Kane que ele não vai gostar um bocadinho quando descobrir que o homem comum considera algo como o seu direito e não como um presente.  

 

Infelizmente, esta ideia de caridade, de um privilégio que no alto da sua magnanimidade se permitem oferecer aos menos afortunados ainda se mantêm na mente de diversas pessoas, como por exemplo na cabeça da Presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, Isabel Jonet. É que para além de ser uma declaração objectivamente incorrecta, os argumentos utilizados podem servir para criticar a própria entidade que dirige. 

 

Havia muito mais para escrever sobre este assunto, mas dou a palavra ao ex-reitor da Universidade de Lisboa:

 

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