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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

Manifestação complicada esta. Confesso que quando li o manifesto da geração à rasca fiquei tão empolgado por aquilo como fico por ver a filmografia completa do Fassbinder. Para mim, manifestação apartidária não faz muito sentido. E manifestação sem apontar nomes dos culpados da política actual, ainda menos. Como disse o RAP, esta "fernandónobrização" da sociedade já enjoa. É altura de tomar posição. E pior de tudo, dias antes da manifestação vem um dos organizadores elogiar o discurso do Sr. Silva. Pronto. Tudo perdido pensei eu.

 

No entanto, fui. Discordo do CRG e acho que há razões para lamentar e lutar contra a precariedade. Não é assim tão fácil combater os falsos recibos verdes só porque são ilegais. Cheguei atrasado. Quando cheguei já estava toda a gente nos aliados. Estava cheio. Por momentos, sorri. Não me lembrava de ver tanta gente junta por algo que não futebol. Mas depois... Depois deram o microfone ao povo, e, um a um, lá foram falando. Tudo estragado. Não ouvi um discurso com sentido. Era tudo contra os políticos, tudo populista, bastante perigoso até. Estava desiludido.

 

De repente chegou a polícia e obrigou a malta a sair das ruas. Como se uma manifestação tivesse horas certas para acabar. Não saímos e estupidamente começou a haver confrontos com a polícia. Escusado. Chego a casa e vejo imagens de Lisboa. Lindo. Nada do que vi por cá. E de repente dei por mim a pensar, porra, ainda bem que houve. Pode ter sido uma manifestação completamente esquizofrénica, com comunistas, fascistas, centristas e anarquistas lado a lado. Mas como diz o Jel, mais importante do que isso é colocar toda a gente a falar. A discutir. E isso esta manifestação popular conseguiu. No fim, acabei por achar o saldo positivo.

 

Agora, venham mais. Mas desta vez apontando nomes. Tomando partidos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nos tempos que correm vive-se um certo paradoxo: às drásticas transformações que foram vividas no último século, nas últimas décadas são contrapostas um ar de inevitabilidade. Se a História nos ensina alguma coisa é que há só uma coisa inevitável: a morte; e, mesmo neste caso, a ciência tem a vindo a adiar cada vez mais.

 

A inevitabilidade, em termos sociais e políticos, transforma a discussão, o debate em inutilidades porquanto inexistem alternativas, tudo estaria predeterminado, a liberdade transformada numa sombra, uma mera silhueta a preto e branco. Adormecidos neste marasmo, o medo cresce contra o desconhecido, opções cada vez mais limitadas a um suposto rigor técnico. A alternativa? Utópica.

 

Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;

Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same,
And both that morning equally lay In leaves no step had trodden black. Oh, I kept the first for another day! Yet knowing how way leads on to way, I doubted if I should ever come back. I shall be telling this with a sigh Somewhere ages and ages hence: Two roads diverged in a wood, and I-- I took the one less traveled by, And that has made all the difference.

Não estarei presente na manifestação de 12 de Março, pese embora assistir com um certo gáudio à preocupação, algum terror até, de certos cronistas em relação a uma manifestação não organizada pelas associações e entidades tradicionais. Esta reacção faz-me lembrar aquele verso do Dylan: 

Come writers and critics
Who prophesize with your pen
And keep your eyes wide
The chance won’t come again
And don’t speak too soon
For the wheel’s still in spin
And there’s no tellin’ who that it’s namin’
For the loser now will be later to win
For the times they are a-changin’

Porque se é certo que as mudanças sociais significativas tiveram como base a rua: sufrágio das mulheres, direitos dos trabalhadores, democracia, etc. Também é certo que as manifestações bem sucedidas tinham uma mensagem clara, forte com um objectivo bem delineado, enquanto que as manifestações difusas, como esta, de simples protesto encontram-se destinadas ao insucesso, correndo o risco de esvaziar um movimento de contestação, que poderia ter um papel fundamental no futuro do país.

 

Segundo os impulsionadores a base desta manifestação é a precariedade. Sucede que a precariedade não é um problema, ao contrário do que é defendido, geracional. Na minha actividade profissional deparo-me infelizmente com diversas pessoas nas casas dos quarenta, cinquenta anos, na sua maioria sem qualificações, que são precários. Pelo que não posso concordar que uma manifestação tenha como base um combate entre gerações: os que estariam supostamente instalados contra os jovens.

 

Por outro lado, os recibos verdes ilegais são, por incrível que pareça, ilegais. Desconheço qualquer decisão judicial que não tenha julgado a sua ilegalidade sempre que se encontrem preenchidos os requisitos de um contrato de trabalho: artigos 11º e 12º do Código de Trabalho. E se o protesto se deve à falta de fiscalização deixo, desde já, o contacto da Autoridade para as Condições do Trabalho.

 

A base deste descontentamento parte de um destroçar de um mito, de falsas expectativas que foram criadas e alimentadas durante anos a fio: a educação, a formação eram a base da felicidade, o el dorado; com educação não haveria problemas de desemprego nem salários baixos. Após anos e anos de estudo e sacrifício, os jovens com espanto e desilusão verificaram que afinal não é bem assim. Como escreveu o Nobel da Economia, Paul Krugman, "But there are things education can’t do. In particular, the notion that putting more kids through college can restore the middle-class society we used to have is wishful thinking. It’s no longer true that having a college degree guarantees that you’ll get a good job, and it’s becoming less true with each passing decade".

 

O que fazer?

 

Lutar. Ir para a rua. Pedir salários justos e dignos, com uma menor diferença entre os salários mais altos e os mais baixos, diferença essa que se vem acentuando nas últimas décadas. Valorizar o trabalho, de forma a ser deixado de ser visto com um custo mas como uma mais valia. Proporcionar aos cidadãos mais liberdade de forma a ser possível negociar com as entidades patronais condições mais justas. Lutar contra off-shores e outros desvios à igualdade fiscal...

 

A luta continua...

A vitória dos "Homens da Luta" no festival da canção resultou em muitas ondas de choque: assobios e saídas da sala por parte plateia que assistia ao vivo; condenações e felicitações por todos os quadrantes políticos; quasi-teses de doutoramento de sociologia sobre as consequências de tal vitória e respectivas causas. 

 

Um pedrada num laguinho não deveria causar tanto rebuliço. Como disse Freud "às vezes um charuto é só um charuto". E isto foi apenas a vitória de um sketch subversivo, num país com muito pouco sentido de humor, que detesta rir de si próprio, das suas idiossincrasias. Criaram um certo incómodo a todos aqueles que se vêem com demasiada importância e levam-se demasiado a sério: na esquerda que se revê no seu aburguesismo e na direita que os olha com desdém. 

 

Dá-lhes Falâncio...

Ontem, infelizmente o meu zapping (de quatro canais que a vida não está fácil) levou-me a assistir a mais um episódio do Jerry Springer português, como tão bem descreve Sérgio Lavos, faltando apenas cânticos de "Fátima! Fátima!" para ficar completo. Tenho para mim, porém, que a plateia receosa da sua integridade física nunca seria temerária ao ponto de bater mais do que duas palmas por episódio quanto mais entoar palavras de ordem. Nesse aspecto, o Prós e Contras é um tudo ou nada esquizofrénico: gravado em anfiteatros, com plateia, e depois reprimem a todo o custo a respectiva reacção; ou então talvez seja a alma de arbitro de ténis da apresentadora a evidenciar-se. 

 

Mas adiante.

 

O programa de ontem sob o tema "Juventude em revolta" foi mais um excelente momento televisivo de debate, uma espécie de combate de boxe entre Gandhi e Martin Luther King, jr, ou seja, não existiu em qualquer momento algo que aproximasse aquilo de um verdadeiro debate, com troca de ideias devidamente fundamentadas, nem foi possível retirar dali qualquer outra conclusão que não a que já tinha referido no anterior post

Nem podia ser de outro modo: ambas as partes partiam de premissas distintas, seguiam o seu caminho até alcançar uma conclusão antagónica, era como se um dos lados entrasse no metro na estação da Trindade e outro na do Rossio, ambos seguiam direitos pelo seu trilho subterrâneo para finalmente ficarem surpreendidos quando uns saiam em Campanhã e outros no Rato.

A questão fundamental, e que não foi agora debatida, é saber se o estado actual das coisas, com a precaridade, etc é algo imutável ou não. Como diria Shaw: You see things; and you say, 'Why?' But I dream things that never were; and I say, "Why not?". 

Ora, porque tem que ser assim? Isto, que eu saiba, não é uma lei da física, é uma construção social. Presumo que quando se iniciarem as lutas contra o trabalho infantil, pelo direito a férias pagas, pelas 40 horas semanais existiu o discurso actual: seria impossível, as empresas nunca iriam aguentar, temos que nos habituar à industrialização da sociedade...

Sob o papão da competição têm-se visto enormes atropelos aos direitos individuais e à própria ideia de sociedade, com enormes ganhos para os mais poderosos: competição fiscal, de legislação laboral permitem a deslocalização de empresas e capitais sem controlo. 

O problema desta juventude, a mais bem preparada de sempre, advêm precisamente por ser a mais bem preparada: os empregadores têm à sua disposição um maior número de potenciais recrutas, sabem que se aquele candidato se recusa estar num escritório (alguns escritórios de advogados conhecidos na praça) a receber cerca de € 500,00, ou menos, a recibos verdes existirá outro que aceitará, porque não tem outra opção. 

(Agora não aplaudam, porque a Dra. Fátima Campos Ferreira anda por aí!)

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