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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

O cenário para essa tragédia nacional era uma economia que deliberadamente se virou do avesso, de subsistência para destituição.  

 

No início dos anos oitenta, Ceauşescu decidiu reforçar a credibilidade internacional do seu país através da liquidação da enorme dívida externa da Roménia. As agências do capitalismo internacional - começando pelo Fundo Monetário Internacional - ficaram encantadas, não poderiam elogiar o ditador romeno o suficiente. (...)

 

Para pagamento dos seus credores ocidentais, Ceauşescu aplicou uma pressão implacável e sem precedentes sobre o consumo interno.  (...) O Conducător romeno começou a exportar cada mercadoria disponível produzida internamente. Os romenos foram forçados a usar lâmpadas de 40 watts em casa (quando a electricidade estava disponível), de modo que a energia pudesse ser exportado para Itália e Alemanha. Carnes, açúcar, farinha, manteiga, ovos, e muito mais foram estritamente racionado. Para aumentar a produtividade quotas fixas foram introduzidos para trabalho público obrigatório aos domingos e feriados (a corvéia, como era conhecido na França do ancien régime).  

 

O uso de gasolina foi reduzido para o mínimo: em 1986 um programa de criação de cavalos para substituir veículos motorizados foi introduzido. Carroças puxadas a cavalo tornaram-se o principal meio de transporte (...).  As políticas de Ceausescu tinham uma certa lógica macabra. Roménia conseguiu de facto pagar aos seus credores internacionais, embora ao custo de reduzir a sua população à penúria.



Tony Judt,  "Postwar: A History of Europe Since 1945" (tradução e negritos meus)

 

"History! Read it and weep", escreveu Vonnegut. Agora que terminei de ler "Postwar: A history of Europe since 1945" não consigo encontrar melhor frase para o resumir.

 

Entre os feitos notáveis (alguns); os erros e omissões, entre estes apenas uns quantos agora, sob a perspectiva actual, parecem óbvios, porventura desculpáveis, e, em diversos casos, inevitáveis; e os actos criminosos (muitos) vi-me obrigado, por repetidas vezes, a fechar o livro, e suspirar enquanto olhava para o horizonte.

 

No entanto, como também escreveu Vonnegut "Of all the words of mice and men, the saddest are 'It might have been".

"Ficamos insensíveis ao custo humano de determinadas políticas, aparentemente racionais, especialmente se formos avisados que as mesmas irão contribuir para uma prosperidade global e consequentemente para o nosso interesse individual." - Tony Judt

 

As medidas de austeridade anunciadas pelo nosso Primeiro-Ministro foram apelidadas de corajosas e de inevitáveis.

 

Se os filmes do Jackie Chan ou do Arnold me ensinaram algo, esse algo foi a definição de coragem. Nos filmes destes "heróis" nunca os vi enviarem para a luta os que estavam a proteger, enquanto ficavam atrás a assistir.

 

Na 1ª Guerra Mundial, os generais que ordenavam investidas atrás de investidas contra as linhas inimigas, munidas de artelharia pesada, ficando um rasto de mortos e feridos na terra de ninguém, enquanto ficavam nos seus gabinetes, na rectaguarda, não eram de certo corajosos. 

 

Por outro lado, admitindo que estes cortes eram inevitáveis, como foi devidamente apregoado, como se poderia considerar essa medida corajosa quando não haveria outra solução. Coragem será seguir um caminho supostamente inevitável? Seguir a estrada mais percorrida, sem imaginação ou um qualquer golpe de asa, é visto agora como um acto corajoso. 

 

Mas e será que não haveria?

 

Ora, de acordo com o Conselho Europeu de 21 de Julho um país que cumpra integralmente integralmente o acordo de assistência financeira continuará a beneficiar do apoio das instituições internacionais mesmo que, no final do acordo, tenha dificuldades de acesso aos mercados financeiros internacionais.

 

Se assim é porque é que foram tomadas medidas que vão muito além do que foi acordado com a Troika? 

 

É preciso ter coragem para fazer este embuste.

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