Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

O mundo pode não acabar em 2012, mas a minha viagem não teve tanta sorte e chegou mesmo ao fim. Uma tesourada simples, sem grandes floreados, cortou a minha ligação ao mundo idílico que correspondia ao “tudo incluído”.

 

De regresso ao aeroporto reencontrei os meus companheiros da viagem de ida: as caras eram mutuamente reconhecidas, porém não tão conhecidas que permitissem dizer “olá”, um sentimento estranho, hesitante. No entanto, não eram exactamente as mesmas pessoas, a tez era ligeiramente mais escura e estavam acompanhados de sombreros. O que irão fazer com os sombreros é uma pergunta que até hoje não vislumbrei uma resposta satisfatória, guardados no fundo do armário a mais benigna.

 

E antes de embarcar mais uma fila, esta servia unicamente para pagar uma taxa para sair do país (hum...também não percebi). Enquanto liquidava a taxa a simpática funcionária perguntou-me para onde ia “Casa, sempre para casa”

Num misto de português e de português de Futre consegui entender-me com a recepcionista do meu Hotel, sim finalmente havia chegado o momento solene do check-in: inclinei a cabeça, estendi o pulso, musica celestial ecoava por todo o lobby enquanto a almejada pulseira me era colocada, orgulho e responsabilidade enchiam-me o peito. 

 

A partir daquele momento, e durante uma semana, viveria o sonho comunista em que o dinheiro era tão só uma relíquia de tempos idos. Às duas palavras, que acompanharam-me durante toda a estadia, "Tudo bien?" respondia invariavelmente com um "gracias", antecidido de um nome de uma qualquer bebida.

 

Confesso que fiquei literalmente embrigado de poder, um poder hipnotizante que era exponenciado pelos obrigatórios "Buenos dias"com que era contemplado sempre que passava por algum funcionário. A meio da semana já passeava altivo pelos corredores distribuindo "buenos dias" pelos "meus funcionários", mais uns dias e corria o risco sério de transformar-me num novo Kurtz.

Após 12! horas de viagem estava no México. Viagem longa e cansativa para os meus parâmetros de turista mimado, um instante para os nossos antepassados. O que eu mais desejava naquele momento era chegar ao Hotel mas a odisseia ainda estava longe de terminar.

 

Logo à saída da manga que ligava o avião ao aeroporto havia uma fila para mostrar um formulário, que como é natural tinha um campo por preencher; a seguir uma outra fila para recolher a mala; mais uma fila para mostrar o passaporte e ainda outra fila para entregar o formulário que havia mostrado na primeira fila.

 

Se a paciência com filas não abunda, chegado à terceira tive vontade de gritar com os mexicanos a perguntar se era assim que queriam tratar os turistas que como eu traziam preciosas divisas para o seu país, que deviamos era ser recebidos de passadeira vermelha, seus igratos: tinha acabado de atingir o ponto 8,7 na escala de turista mimado. 

 

Felizmente, nessa altura, lembrei-me da loja do cidadão e da frase de Homero "Aguenta, coração; tu no passado já sofreste coisa pior." 

...como se fosse assim tão simples...Uma vez que o avião estava estacionado bem longe da porta de embarque, foi necessário subir para um autocarro repleto de pessoas, malas e impaciência. Após uma curta viagem parámos defronte do avião, finalmente pude-me sentar no meu lugar e preparar-me para a longa viagem...a sério, acham mesmo que era assim tão simples...O avião não estava preparado, continuámos dentro do veículo. O calor que se sentia dentro do autocarro levou a que fossem abertas as suas portas: aguardava a todo o tempo Oskar Schindler com uma mangueira dirigida aos passageiros, mas não foi preciso.


Agora sim, estava sentado no meu lugar, de cinto colocado a preparar-me para uma longa viagem: saídas de emergência e casas de banho mesmo ao meu lado, ecrã de televisão à minha frente, Livro no meu colo; à minha volta o maior aglomerado de casais desde o Exponoivos de 2007.


A meio do Atlântico, sobrevoando os Açores iniciou-se o primeiro filme da viagem: "In Time", com Justin Timberlake (enfim), um filme distópico, que parte da premissa de que para alguns viverem na opulência é necessário a pobreza de muitos.


Presumo que infelizmente a ironia se tenha perdido no meio dos passageiros de um país (ainda) do primeiro mundo que dentro de algumas horas iriam fazer o check-in em resorts de luxo a preços baixos apenas viáveis por se tratar de um país pobre.

Mex

Em "Shipping Out" David Foster Wallace descreve ironicamente os excessos e o suposto divertimento que um cruzeiro de luxo de sete dias lhe deveria ter dado. Imbuído desse espírito vou tentar (e falhar) descrever à moda de Wallace a semana que passei num Resort de cinco estrelas na Riviera Maya, México.

 

IDA

 

Quando soube que a partida fazia-se desde Lisboa senti um calafrio que correu por toda a minha coluna. Eu já sabia que Portela era conhecido como o triângulo das Bermudas da bagagem, o que não sabia é que também fazia desaparecer placas informativas: em vão procurei uma qualquer sinalética que me levasse ao Parque n.º 5. Felizmente após um número indeterminado de voltas e inversões de marcha apareceu, à minha direita, no meio da neblina (pensando melhor é possível que não tivesse existido neblina), uma entrada de um parque estacionamento. "Espera...que número é aquele? É o cinco! É o parque cinco", gritei eu efusivamente como se tivesse acabado de ganhar o primeiro prémio do Euromilhões.

 

Resolvido este percalço peguei na trela da minha mala e dirigi-me para o terminal..argh..e agora..esquerda ou direita?..a minha ingenuidade não tem fim: como se existissem placas a indicar o caminho para o terminal, como se existissem placas nesta terra. Uma sensação parecida com os estudantes do Blair Witch Project invadiu-me o pensamento: vou passar as férias a vaguear por estas ruas - confesso que esta é a versão limpa, no original havia mais algum vernáculo.

 

Uma dose de sorte e depois de muita tentativa e erro lá consegui encontrar o terminal, fazer o check-in em tempo e embarcar antes que as colunas do aeroporto pronunciassem uns sons parecidos com o meu nome. 
Sentado, de cinto colocado estava pronto para uma longa viagem...

Mais sobre mim

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2015
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2014
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2012
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2011
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2010
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2009
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2008
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2007
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D