No "Admirável Mundo Novo" de Huxley a ordem e o desenvolvimento económico são os seus alfa e ómega. Em vez de um sistema democrático as decisões são tomadas por um sábio, a bem de todos. Toda a actividade humana é utilitarista: de produção e consumismo exacerbado - um simples passeio no parque, por não preencher estes requisitos (não é produtivo nem é consumível), é mal visto pela sociedade.
Os indivíduos aspiram pertencer às "classes (castas) superiores", mas ficam gratos por não pertencerem à "classe inferior" (não somos a Alemanha, mas também não somos a Grécia); e, se mesmo assim existir um sentimento de infelicidade, há sempre "soma": uma droga não viciante e sem efeitos colaterais, o perfeito anti-depressivo. Uma sociedade obcecada com a aparência e com a juventude, onde não há envelhecimento: todos mantêm a aparência de 20 anos até à sua morte, que sucede aos 65 anos.
A coincidência entre esta distopia com os "desejos" e prática da maioria da população é aterradora, mas também o que torna aquele livro ainda hoje, passados 80 anos da sua publicação, relevante.
E é difícil não regressar a Huxley quando se ouve o Ministro da Economia a falar de investigação direccionada para a produção imediata; uma deputada portuguesa que considera não ser premente para a sociedade actual a investigação de flora que não seja nacional; ou ainda ler que Vítor Gaspar que, pegando num artigo de Hayek de 1939, defende a limitação do poder dos estados democráticos perante a automatização de políticas supranacionais.
Estaremos dispostos a trocar tudo por ordem, segurança e conforto material?