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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

JFK

"His place in legend is secure. He bought off the skeptics by dying early, horribly, unnecessarily."

- Don DeLillo "White Noise" (sobre Elvis mas que também poderia ser sobre o JFK)



“Never can true reconcilement grow, where wounds of deadly hate have pierced so deep.”

- John Milton

 

Este era o verdadeiro desafio da União Europeia: permitir que a reconciliação florescesse num Continente coberto por feridas profundas de ódio mortal. A integração económica seria um mero instrumento, o objectivo último sempre foi a paz.

 

Em virtude, porventura, de voluntarismo exacerbado a UE foi construída sem a prudência necessária, designadamente não foram considerados os ensinamentos de Thomas Paine, nos quais este alerta que se é permitido a existência numa estrutura governativa - aqui no seu sentido mais lato possível - de uma potência mais forte que os demais, esta acabará por governar; e apesar de outros poderem bloquear ou servirem de contrapoder, os seus esforços serão contraproducentes; no fim os interesses daquela acabarão sempre por triunfar.

 

Ora, o triunfo dos interesses da parte mais forte será entendido, mais cedo ou mais tarde, pelos restantes como uma opressão. A sua manutenção na união torna-se numa obrigatoriedade - a opção menos má. Estes deixarão de se percepcionar como participantes livres, apenas como participantes numa farsa. Por sua vez, a outra parte olhará com desprezo os mais fracos: um peso morto sem um pingo de gratidão.

 

Um "casamento forçado" que criará novos ressentimentos.

Há uns tempos, Pacheco Pereira contava que muitas vezes lhe perguntavam: "haverá uma revolução?". Se no início da crise existiram algumas manifestações violentas na Grécia, a verdade é que estas foram diminuindo de intensidade à medida que a austeridade foi fazendo mais vítimas.

 

Pode parecer paradoxal mas como escreve Manea, a vítima ganha gradualmente cepticismo e resignação.

 

Neste momento, a emigração de portugueses não é só geográfica. Os que ficam procuram ignorar a esfera pública. Fogem da "cacofonia política". Tentam apenas sobreviver, ansiando um tempo sem acontecimentos.

 

Portugal tornou-se num país de exilados.

I will come to a time in my backwards trip when November eleventh, accidentally my birthday, was a sacred day called Armistice Day. When I was a boy, and when Dwayne Hoover was a boy, all the people of all the nations which had fought in the First World War were silent during the eleventh minute of the eleventh hour of Armistice Day, which was the eleventh day of the eleventh month.

It was during that minute in nineteen hundred and eighteen, that millions upon millions of human beings stopped butchering one another. I have talked to old men who were on battlefields during that minute. They have told me in one way or another that the sudden silence was the Voice of God. So we still have among us some men who can remember when God spoke clearly to mankind.

Armistice Day has become Veterans' Day. Armistice Day was sacred. Veterans' Day is not.

So I will throw Veterans' Day over my shoulder. Armistice Day I will keep. I don't want to throw away any sacred things.

What else is sacred? Oh, Romeo and Juliet, for instance.

And all music is.


- Kurt Vonnegut

"Teríamos de trabalhar mais de um ano sem comer, sem utilizar transportes, sem gastar absolutamente nada só para pagar a dívida"

- Ministro Nuno Crato


Por um segundo vamos imaginar que era possível sobreviver sem comer durante um ano. De imediato a maior parte dos cafés, restaurantes, mercearias, supermercados, hipermercados entravam em insolvência. Seguiam-se os seus fornecedores. As empresas de transporte ficariam sem clientes e com uma dívida galopante. Sem consumo não havia necessidade de publicidade, todos os media fechavam, empresas de marketing. Milhões de desempregados. Não será necessário dar mais exemplos para perceber que neste mundo imaginário de Crato a dívida não só não seria paga como se agravaria. 

 

Sempre se poderá dizer que a frase de Crato não era para ser interpretada de forma literal, era uma metáfora para demonstrar o peso da dívida. Em qualquer dos casos esta intervenção é esclarecedora por dois motivos. Em primeiro lugar, demonstra a forma como o Governo percepciona o mercado interno como sendo um fardo. Em segundo, revela em todo o seu esplendor a visão estrita e causal das suas políticas, que nunca levam em linha de conta as consequências sistémicas que acarretam.

No seu artigo do passado Sábado, Henrique Monteiro defende a abertura "dos órgãos superiores de Justiça - STJ e TC a quotas minoritárias de não juristas, desde que com mais de 35 anos de idade". Uma vez que, acrescenta Henrique Monteiro, "em democracia não pode haver órgãos limitados a especialistas" e "que não falta bom senso (a capacidade principal de julgar) a profissionais de outros ramos, mesmo sem qualquer formação superior".

 

Por onde começar? Em primeiro lugar, vou parar de rir. Em segundo, vou passar ao lado do conceito de que o bom senso nasce aos 35 anos e nem vou relembrar ao Henrique Monteiro que o STJ, fora dos casos (raros) previstos na lei, apenas conhece matéria de direito e vou-me concentrar na sua visão de jurista. 

 

Bem sei que a imagem dos juristas, muito por culpa dos próprios, encontra-se degradada. A opinião corrente é de que não é necessária nenhuma qualificação especial para ser advogado ou juiz: basta ler a lei e escrever umas coisas, uns floreados, se possível com termos técnicos. Esperava, porém, que o ex-director do Expresso, que teve e ainda deve ter alguns colegas jornalistas formados em direito, não tivesse essa noção primária e que chegasse ao cúmulo de propor a existência de juízes autodidactas. 

 

A interpretação de uma norma - nos processos que chegam ao STJ ainda mais - não se cinge a uma leitura literal da mesma. Nem é um exercício de bom senso. É uma operação técnica que exige prática e estudo. Estudar o sistema jurídico português e muitas vezes outros sistemas legislativos a fim de ser efectuado uma análise comparativa; estudar os precedentes normativos e os trabalhos preparatórios que antecederam a aprovação da norma; perceber quais os fins da norma...

 

Este exercício é - tal como me ensinou o meu professor de Filosofia do Direito - comparável à interpretação que um pianista faz de uma pauta. Assim, da mesma forma que um pianista amador pode produzir em som as notas escritas, mas apenas um pianista profissional poderá através da sua arte fazer música; um leigo até poderá traduzir a norma, mas apenas um jurista poderá transformar a norma em justiça.

Em 2012, 120 mil portugueses - quase a população total de Leiria - deixaram do país. "Eu partira, sempre acabara por partir! Culpado por não o ter feito mais cedo e culpado por ter acabado por fazê-lo", descreve Manea a sua própria emigração. Quantos destes 120 mil não pensarão o mesmo. A minha geração destruída. Destruída não por drogas, sexo, vícios vários como a de Ginsberg, mas ambas destruídas pela loucura.

 

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