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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

A austeridade já foi desmontada teórica e empiricamente. Os seus defensores, porém, continuam a refugiar-se na ausência de alternativas; esquecem-se, parafraseando DFW, que a etiologia e o diagnóstico são os pressupostos da cura e que apenas com a revelação do erro é que se pode originar uma resposta.

 

Por outras palavras, a recusa é uma escolha.

 

E, é por isso que um dos desafios da próxima geração será compreender como foi possível insistir na austeridade se era matéria assente que esta não só não funciona como ainda consegue ser contraproducente.

 

Será inércia? Incompetência? Falta de imaginação?

 

Boa sorte para eles.

Um dos paradoxos do nosso tempo prende-se com a disparidade entre a escolha quase ilimitada - o que acaba, até, por provocar ansiedade - que existe enquanto consumidores (adquirir um produto simples como o leite tornou-se numa esgotante epopeia entre pacotes de leite gordo, sem lactose, com cálcio, magro, UHT, dispersas por um sem número de marcas diferentes) e a ausência de escolhas enquanto cidadãos.

 

Ora, essa ausência de alternativas resulta de uma visão paternalista e um complexo de superioridade que as elites políticas possuem sobre a generalidade dos cidadãos, que revela-se na explicação pueril que determinada medida foi recusada pela opinião pública porquanto esta havia sido mal explicada.

 

O receio do que os cidadãos pudessem decidir - o que no fundo é a base da democracia - encontrou o seu apogeu na arquitectura da União Europeia, que sempre teve o cuidado de criar os seus organismos imunes aos interesses "perigosos" dos povos, ficando isentos de qualquer responsabilização democrática.

 

Tal arquitectura provoca um novo paradoxo: um colete de forças institucional que nos impede de acabar com esta loucura.

Questionado sobre o esquema que a Google montou para poupar milhares de milhões de euros em impostos, EricSchmidt afirmou que "isso chama-se capitalismo". Sendo um esquema legal é visto pela generalidade das pessoas com uma certa bonomia. Com efeito, os seus defensores dizem candidamente que no fundo as empresas apenas estão a defender os seus interesses, o que é perfeitamente legítimo.

 

Ora, o que não é compreensível é que os trabalhadores se sintam envergonhados por defenderem os seus interesses. Nem faz sentido o argumento de que certos trabalhadores já têm muitos privilégios; ou ainda, de que esses têm muito sorte, outros trabalhadores, coitados, não tem esses direitos nem podem fazer greve? E então a Google já não tem lucros elevadíssimos? E a Odesigualdade existente entre a Google e as outras empresas que não possuem os meios para criar os esquemas necessários para pagarem menos impostos?

 

A sociedade vive do confronto de interesses antagónicos e a sua evolução depende da forma como esse confronto se resolve. E, esse resultado não será certo ou errado, apenas será. 

Até quando, ó Troika, ó Gaspar, ó Passos Coelho, abusarão da nossa paciência? Por quanto tempo ainda hão-de zombar de nós essa vossa loucura? A que extremos se há-de precipitar a vossa audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda nocturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem a razão, nem os resultados, nada disto conseguiu perturbar-vos? Não sentem que os vossos planos estão à vista de todos? 

 

Mas agora é a toda a República que dirigem abertamente o vosso ataque; são os templos dos deuses imortais, são as casas da cidade, é a vida de todos os cidadãos, é a Europa inteira, é tudo isto que arrastam para a ruína e a devastação.

 

Mas de que servem as minhas palavras? A vós, como pode alguma coisa fazer-vos dobrar? Como poderão algum dia serem corrigidos?

Parafraseando Joseph Heller:

- O Governo dos EUA quer-me apanhar.

- Não quer nada.

- Então por que é que estão a interceptar todas as minhas comunicações?

- Eles estão a interceptar as comunicações de toda a gente.

- E que diferença isso faz?

 

Tal como a personagem homónima do Catch-22, Snowden desvendou-nos um segredo. No fundo, ambos os Snowden "spilled their guts", um literalmente e outro, para já, - e esperemos que assim se mantenha - apenas metaforicamente. 

 

Para os mais cínicos não foi tanto desvendar como confirmar a suspeita que sempre tiveram: o governo dos EUA vigia em tempo real todas as comunicações online do planeta.  

 

E agora, qual será a nossa atitude? Seremos, tal como Yossarian, impotentes e repetir frases inócuas "there there"? 

 

Durante cerca de cinco séculos, os serviços postais na Europa foram controlados pela família Thurn e Taxis, até serem absorvidos para os correios do Império Alemão em 1871.

 

Não é uma coincidência que o correio privado tivesse iniciado o seu declínio com o advento do Estado-Nação e encontrado o seu fim às mãos do primeiro estado social. Um serviço postal público é garante não só da soberania nacional como da liberdade de comunicação, com direito à privacidade e ao anonimato.

 

Ora, a privatização dos CTT acaba por ser mais um exemplo do fim da soberania nacional e do estado social em curso. 

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