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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

 

No exterior do Parlamento Europeu encontra-se ao longo de uma estrutura em arco uma série de fotos gigantes representativas de momentos cruciais da Europa dos últimos 50 anos. Os próprios edifícios foram baptizados com nomes marcantes na formação da União Europeia. 

 

Há um desejo de História, de ser legitimado por esta.

 

Ao mesmo tempo, os edifícios do Parlamento Europeu, cujos interiores assemelham-se a um hotel de luxo, transmitem uma visão de contemporaneidade. O contraponto entre o exterior e o interior coloca a nu a artificialidade que é forçar a história. Esta não se acelera, não se inventa - simplesmente acontece.

 

Esta é uma característica recorrente da UE: a constante oposição entre o que quer parecer e o que realmente é.

 

Da mesma forma que aprendemos a desconfiar dos clássicos cinco sentidos (somos obrigados a efectuar um esforço mental para sobrepor a intuição de que as duas linhas na imagem supra não são idênticas) é imprescindível estar alerta para os nossos erros lógicos, porque, como diz David Foster Wallace, "a validade lógica não é uma garantia da verdade". 

 

Na prossecução e fundamentação de políticas existe a tentação facilitista de justificar medidas vistas isoladamente através de um teste lógico: fará sentido que um desempregado pague o mesmo por uma intervenção cirúrgica que alguém da classe alta; fará sentido que as empresas de transporte público sejam deficitárias; fará sentido que os alemães paguem os problemas dos países do Sul.* 

 

Ora, por diversas vezes o que à primeira vista e descontextualizado faz sentido encontra-se errado ou acaba por ser contraproducente, como sucede com o paradoxo da poupança: se todos pouparem ao mesmo tempo a dívida de todos aumenta. 

 

A questão não se resolve com mais informação, como alguns congressistas nos quiseram fazer acreditar, nem com melhor informação - apesar de ser cada vez mais essencial. O importante é manter e incutir nos cidadãos um espírito crítico, não conspirativo; inquisitivo e equilibrado, sem resvalar em cinismos e relativismos. 

 

* Faz. A sua explicação está bem documentada pelo que julgo desnecessário insistir neste aspecto, até porque ultrapassaria o escopo do post.

 

 

Há urgência de soluções, mas haverá soluções? Não, no sentido de uma solução única e definitiva.

 

Em primeiro lugar, num sistema vivo e complexo como uma sociedade não há um fim da história. Nem a sociedade pode ser tratada como um projecto de engenharia à espera de uma resolução rumo a uma utopia. Existe, sim, uma infinitude de tentativa de respostas perante o eterno devir de problemas e desafios; será sempre uma construção inacabada.

 

Aliás esta dúvida metódica e incerteza é o que origina a atracção pelo populismo e sebastianismo e, no sentido mais individual, a compra de fármacos milagrosos. 

 

Em segundo lugar, a superação da crise ou de um problema depende de vários factores endógenos e exógenos. Nunca poderá ser reduzido a uma acção ou omissão, da mesma forma que é duvidoso que o New Deal tivesse relançado a economia dos EUA sem o impulso dado pela 2ª Guerra Mundial ou que a diminuição da taxa de criminalidade em Nova Iorque seja a consequência directa da implementação da teoria das janelas partidas.

 

Esta percepção dos limites não é impeditiva de actuação, apenas reforça a sua prudência e adequação, que é o que mais tem faltado na resposta à presente crise.

A ânsia de discutir revela a urgência de soluções, cujo caminho, porém, difere em razão da nacionalidade de cada um: enquanto que os portugueses desejam alterar "Bruxelas" para que essa mudança se reflicta na política portuguesa; os alemães esperam ganhar votos localmente de forma a mudar "Bruxelas".

 

O problema é que ambas visões estão correctas. Para alterar a política local os cidadãos portugueses esperam que haja uma nova política europeia, que por sua vez está dependente da vontade dos governos alemães. Deste modo, verifica-se que a perca de parte da soberania de Portugal não foi transferida, como nos foi vendida, para a entidade supranacional "União Europeia", mas reside no arbítrio do eleitor alemão, que legitimamente escolhe segundo o seu interesse pessoal.

 

Será possível a manutenção de uma união de estados nestes termos? Será viável pedir a um estado que voluntariamente ceda poder e soberania?

 

Na semana passada, pela primeira vez, estive no Parlamento Europeu. Felizmente para mim e, sobretudo para os demais, ao contrário do Mr. Smith, não tive que falar ininterruptamente durante horas.

 

No entanto, a certa altura, no meio das diversas discussões e debates, pensei na famosa frase do Pynchon: "If they can get you asking the wrong questions, they don't have to worry about answers".


Focado nesse pensamento tive algumas vezes que travar a vontade de interromper algumas intervenções e gritar bem alto "mas o que é que essa merda isso interessa?". Com esforço aguentei-me, respirei fundo e imaginei a frustração diária de parlamentares e outros responsáveis, no seu dia-a-dia de reuniões e plenários infrutíferos.


Por este prisma a UE parece uma causa perdida, mas, como Stewart diz no filme que deu "origem" ao título do presente post, as causas perdidas são as únicas pelas quais vale a pena lutar.

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