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O uso excessivo de ironia fez com que esta, em vez de servir como forma de desmascarar as hipocrisias da realidade, se transformasse num instrumento de defesa sofisticado destinada a justificar compromissos, a desculpabilizar a realidade, permitindo que os seus utilizadores planassem sobre esta. No fundo passou a ser um artificio utilizado pelo prisioneiro que ficou a adorar a sua cela.
A tirania da ironia revela-se não só na realpolitik mas na submissão resignada do sujeito ao mundo que o rodeia: a aceitação consciente do estado das coisas actuais e futuras e correspondente aproveitamento sob o manto de "todos assim o fazem".
A discordância dessa imutabilidade, a esperança numa verdadeira mudança é visto com sobranceria: um desejo simplista e anacrónico, defendido por demagógicos e populistas.
Intelectualizou-se tanto que os truísmos, as verdades evidentes por si mesmas, e todos os resquícios de moralidade são considerados datados, uma ingenuidade de outros tempos, mais simples, inaplicáveis aos tempos complexos de hoje. Um tempo de difusão de responsabilidades da qual o sujeito abdica em nome da liberdade para nada fazer.
Perante os números negros do desemprego, perante a contracção de 3,2% do PIB o Governo encolhe os ombros, que, segundo Roberto Bolaño, tanto pode significar "que uma pessoa não sabia nada ou então que a realidade era cada vez mais vaga, mais parecida com um sonho, ou então que tudo ia mal e que o melhor era não perguntar nada e armar-se de paciência".
Ou então, digo eu, é tudo isto um pouco.
Se partirmos do pressuposto benigno que a queda do PIB e o aumento exponencial da taxa de desemprego não era um objectivo consciente das políticas do governo e da troika a única explicação para a falta de alteração substancial dessas políticas reside na falácia dos custos afundados.
Esta descreve o fenómeno que se manifesta quando se verifica uma insistência numa decisão com base no investimento acumulado anterior, apesar de evidências sugerindo que esta decisão encontra-se errada, levando inclusivamente a uma "escalada de compromisso" (ex: corte de € 4 mil milhões).
Por sua vez, um dos requisitos fundamentais para a ocorrência desta falácia é a responsabilidade pessoal, ou seja, incorrem nesta falácia os que se sentem responsáveis pelos investimentos errados. E, impede que estes voluntariamente procedam a qualquer mudança.
Até quando?
Na República de Weimar, Hugo Stinnes, um milionário industrial alemão, aumentou consideravelmente a sua fortuna aproveitando-se da hiperinflação que assolava o país. Stinnes serviu-se de empréstimos, muitas vezes do governo e de outros fontes oficiais, para especular com sucesso a contínua desvalorização do Marco alemão.
Em sua defesa não se conhecem relatos de alguma vez ter dito aos seus contemporâneos para que aguentassem.
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