Em Outubro de 1978, Václav Havel escreveu um dos mais famosos samizdat: "O poder dos sem-poder". E, se actualmente existe um sentimento dominante na população portuguesa não é cansaço, desalento ou tristeza mas sim impotência.
Poderá parecer abusivo tentar comparar o presente contexto com a Checoslováquia sob o jugo da URSS, mas quando Havel fala em pós-totalitarismo refere que este é fundado no encontro histórico entre ditadura e a sociedade de consumo (sim, existia consumo por trás da cortina de ferro). Deste modo, no nosso encontro histórico entre a democracia e a sociedade de consumo surge, na minha opinião, a pós-democracia, termo cunhado por Colin Crouch, no qual a energia do sistema político, desaparecida da arena democrática, foi transferida para os acordos entre as elites políticas e económicas. A democracia e respectivas instituições estão reforçadas mas a política encontra-se vazia de conteúdo.
Por outras palavras, não existe democracia no seu sentido etimológico pois aquilo que é sufragado não tem correspondência no efectivo exercício de poder. O conteúdo da política está pré-determinado. Por sua vez, esta dissonância conduz a uma apatia perante a coisa pública, traduzido no frase "são todos iguais". O que aumenta ainda mais o fosso entre a política e o cidadão.
O próprio espaço público, sequestrado por interesses privados (ex: estação de metro do chiado renomeado PT Blue station), contribuí para que o cidadão deixe de olhar para fora, preocupando-se apenas consigo mesmo.
Com efeito, no próprio ensaio Havel alerta o ocidente da tendência humana para cada pessoa, de alguma forma, sucumbir a uma profana banalização da sua humanidade inerente, e ao utilitarismo. Em todos nós há alguma vontade de fundir com a multidão anónima e fluir confortavelmente junto com ela descendo o rio de pseudo-vida. Isto é muito mais do que um simples conflito entre duas identidades. É algo muito pior: é um desafio para a própria noção de identidade própria.