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Dois Olhares

"Wovon man nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen."

Nos restaurantes franchisados presentes nas praças alimentares dos centros comerciais têm-se assistido a uma tendência: o cada vez maior número de escolhas disponíveis aos potenciais clientes. Um dos exemplos mais notórios são os restaurantes de pasta: escolhe-se o tipo de massa, os ingredientes (mas falta ainda um, argh!), o molho, sal, pimenta. Todas estas escolhas irritam-me. Estou na minha pausa de almoço, a tentar relaxar, e sou bombardeado com perguntas e mais perguntas.

 

Sempre pensei que esta fosse apenas mais uma das minhas idiossincrasias uma vez que nunca fui muito dado a escolhas. No entanto, na sua autobiografia, "Life", Keith Richards alia-se à minha batalha ao defender a gravação de oito pistas em contraposição com as actuais possibilidades ilimitadas precisamente por considerar demasiadas opções, o que impede a criatividade.

 

A verdade é que segundo Barry Schwartz, num livrinho chamado "Paradox of Choice", ao contrário do senso comum, a multiplicidade de escolhas não nos liberta nem nos torna mais felizes mas sim exactamente o oposto, torna-nos infelizes e as nossas escolhas acabam por ficar restringidas.

 

Assim, quer sejam ingredientes, sons ou fontes (não é verdade JSP?) menos é mais.

 

Um dos episódios que marcaram as últimas eleições foi a dificuldade que alguns eleitores tiverem para obter o novo n.º de eleitor após a emissão do cartão do

cidadão em virtude das falhas nos serviços electrónicos, dificuldade que felizmente não tive.

 

No entanto, para mim este episódio é sobretudo um exemplo perfeito de um dos maiores problemas que temos em Portugal: a falta de responsabilização pessoal. Enquanto isto se passava toda a gente queixou-se do Governo, da sua incompetência, e foram pedidas demissões. Eu não quero defender o Governo e é verdade que as entidades competentes deviam ter acautelado estas situações, mas e o Povo, pá!?

 

Não foram eles que, como bom português, deixaram essa consulta para a último segundo antes da votação, não foram eles que se esqueceram em casa da carta que foi enviada pela Direcção-Geral de Administração Interna com o n.º de eleitor após a emissão do cartão do cidadão*.

 

É altura de sairmos da saia da Mãe-Estado sob pena de continuarmos a ser tratados como crianças, sempre ansiosos de uma figura tutelar. É altura de crescer como sociedade e como cidadãos para que o resultado não seja este: dois autocratas no poder.

 

 

* Não sei onde a guardei mas não culpo os outros pela minha incúria.

Perdi. Perco sempre. Apenas uma única vez estive perto da vitória: quando fui obrigado a abster-me por falta de documentação, em virtude de ter sido alvo de um furto.

 

O dia das eleições começa normalmente risonho.

 

Em primeiro lugar, existe a feliz coincidência de calhar num domingo (ao contrário de outras democracias menos desenvolvidas que teimam em fazer eleições em dias da semana), dia de descanso, pelo menos descanso matinal o que permite processar o álcool ingerido na véspera, evitando, desse modo, que o voto seja considerado nulo por ter sido efectuado a cruz no quadrado da visão dupla.

 

Em segundo lugar, gosto do ambiente dos locais de voto, todo aquele espírito cívico alegra o meu espírito democrata e reforça o meu optimismo quanto ao resultado final.

 

No entanto, às vinte horas em ponto todo este optimismo se transforma no travo amargo da derrota, sendo que há algumas eleições mais amargas que outras: as últimas autárquicas e estas presidenciais custaram mais a engolir. O que me custa mais não é o facto de perder eleições mas sim aperceber-me nestes dias que existe um fosso tão grande entre mim e a maioria dos meus compatriotas, uma diferença abismal sobre questões essenciais quanto ao rumo que como sociedade deveremos seguir.

 

Nos próximos anos Portugal será atingido por uma grave crise social sem precedentes na história recente. A única forma de a combater é com um espírito de solidariedade, que não se confunde com a caridade por muito que custe ao Presidente eleito. É nestas alturas que o Estado tem que aparecer forte, contrariando com pedagogia a tendência natural da inveja e egoísmo que estes tempos acarretam.

 

Infelizmente, não foi essa a escolha. Escolheu-se um Chefe de Estado que se demite das suas obrigações ao conduzir as pessoas para a instituições de solidariedade fora do estado, que se queixa da pensão baixa da primeira dama, que nos pede para sofrermos calados para não arreliar os mercados, e que considera o escrutínio como baixa política.

 

Muito se escreveu que o Candidato Coelho era a sul-americanização da política portuguesa mas, nestas eleições, quem ganhou foi novamente a demagogia da seriedade.

Na pausa de almoço, dois operários conversavam nas vigas do 17º andar de um arranha-céus em construção:

"Qual é o teu almoço de hoje?"

"Hum..pão com manteiga."

"Outra vez, mas não foi o que comeste ontem?"

"Tens razão, sempre a mesma coisa, já estou farto, se amanhã for a mesma coisa juro-te, pela memória da minha mãe, que me atiro daqui abaixo".

No dia seguinte, o primeiro operário faz-lhe a mesma pergunta. O outro abre lentamente a marmita e encontra o malfadado pão com manteiga e, de imediato, quase sem pensar, atira-se contra o asfalto 17 pisos abaixo.

Algumas horas depois, a polícia chega a casa da mulher do operário falecido para dar a trágica notícia e pergunta se recentemente o marido estava mais abatido, ou se havia reparado em alguma mudança de humor que pudesse explicar uma tal decisão.

"Não, nem pensar!", disse ela. "Hoje até acordou bem disposto, tomou o pequeno-almoco, e depois, como o faz todo os dias, preparou o almoço dele".

 

Esta anedota faz-me lembrar aqueles que criticam os partidos, os políticos e o estado das coisas mas que se esquecem que eles é que continuam a fazer pão com manteiga ou manteiga com pão. Por isso nas presidências voto Coelho para o poleiro!

Eleições complicadas estas. O vazio de ideias deixou este que vos escreve sem saber se no Domingo iria ou não remodelar a casa toda. Não creio que os candidatos tenham toda a culpa desta má campanha. Chamar àquilo que aconteceu nas televisões de debates é um insulto. O facto dos media quererem saber do BPN também já só tem o interesse de uma xica da silva (só interessa quando houver mesmo nudez). Por isso, andei os últimos dias deprimido, cansado, sem dormir, a faltar ao trabalho, tudo para encontrar em quem votar:

 

O Coelho é menos palhaço do que o que dá a entender, mas isso não lhe dá o meu voto. Dá-me um sorriso na cara.

 

O Nobre é um ser humano detestável e à custa dele não dou mais cêntimos à AMI. Ele é de esquerda ou de direita, é contra ou a favor do orçamento? É a favor da redução do número de deputados, medida populista à caça de votos. Ele que enfie a migalha da galinha onde quiser.

 

O Moura encostou Cavaco. Fiquei empolgado. Mas depois assumiu-se como socialista cristão, defendeu este governo e pronto. Puff.

 

O Lopes é o que terá o meu voto. Porque é o único contra o orçamento. Porque é o único de esquerda. Porque soube dizer que não demitiria o governo só por discordar, esgotaria todos os poderes do Presidente antes de chegar a tal cenário. No entanto, acho esta aposta do PCP má. Não porque não goste do homem, que gosto, mas porque estas eleições mereciam uma cara forte. Um Carvalho da Silva, por exemplo.

 

O Alegre... O Alegre... Vá-se lá perceber. Às segundas, quartas e sextas contra Sócrates. Às terças, quintas e sábados a favor de Sócrates. Domingo deve ir caçar.

 

O Cavaco não fala, quando fala não sabe falar, mente, diz uma coisa e outra, assume-se não político quando foi ministro das finanças, primeiro-ministro e presidente. Diz que não tem responsabilidades nesta crise quando estava no poder no tempo dela. Cavaco nem para presidente do condomínio.

 

Se houver uma segunda volta, e se essa volta for Alegre e o Cavaco, votarei Alegre. Mas não é um voto por, é um voto contra.

 

E pronto, já posso voltar a dormir. Remato dizendo que fui ver o filme "José e Pilar". Magnífico! Devia ser visto por todos. Da esquerda à direita, por ateus ou totós, todos devíamos estar orgulhosos do Saramago. E esquecendo tudo o resto, o voto nunca deveria ir para o Cavaco só pelo facto de por ele o nosso Nobel ter saído do país.

 

 

 

Um dos pilares da democracia é a informação, sem a existência de um eleitor informado não haveria eleições. Esta proposição explica a tendência das ditaduras evitar a todo o custo a difusão de ideias, a proibição de livros, etc.

 

No entanto, numa série de estudos conduzidos em 2005 e 2006, pesquisadores da Universidade de Michigan descobriram que quando indivíduos eram expostos a factos, estes raramente alteravam a sua opinião, bem pelo contrário, estes tornavam as suas opiniões ainda mais fortes. Concluíram, então, que em vez de serem os factos conduziram as nossas opiniões, são, pelo contrário, as nossas crenças a ditaram os factos que escolhemos aceitar, ou distorcer os factos de forma a serem encaixados nas nossas opiniões, levando mesmo a aceitar acriticamente má informação apenas porque reforça as suas crenças, o que em contrapartida torna-nos mais confiantes que estamos certos. E depois?, depois votamos*.

 

Finalmente encontrei a explicação para o sucesso do Prof. Cavaco Silva nos diversos sufrágios a que foi submetido. Mas ainda há esperança que o candidato chegue aos 70%: a Visão só sai na quinta-feira, trazendo mais notícias sobre a relação SLN/Cavaco; e até Sábado o candidato ainda terá que falar um pouco mais, força camarada estamos contigo!

 

 

 

* Retirado daqui.

2010 foi um ano de grandes concertos: U2, Pearl Jam e Jamie Cullum. Apesar de sonhar há anos e anos por esta oportunidade (nem imaginam as desventuras que passei na tentativa de compra de bilhetes para os U2, que irremediavelmente resultaram infrutíferas), tudo acabou por se resolver à última da hora, sem que para tal tivesse que efectuar qualquer esforço.

 

Sorte?! Sem dúvida! Mas cada vez mais tenho a impressão que as coisas acabam simplesmente por acontecer. A urgência de agarrar tudo foi maturada e transformou-se, não em complacência e apatia, mas numa admissão que a vida é um equilíbrio entre a infinitude de possibilidades e a finitude das nossas capacidades, cujo limite máximo é a nossa mortalidade.

 

Mas, voltando aos concertos, existe uma sensação estranha quando vamos assistir a algo pela qual nutrimos uma enorme expectativa*. Existe uma enorme vontade de bebermos toda aquela experiência até à ultima gota, até ficarmos embriagados. Numa primeira fase, existe uma descrença: estarei mesmo aqui?; isto está mesmo a acontecer? Depois, uma tentativa de máxima concentração: não posso perder um segundo disto. Não conseguimos, porém, evitar todos estes pensamentos que nos acabam por distrair, e começámos a ficar zangados. O espectáculo acaba, soube a pouco, quero mais!

 

 

 

 

* Proust faz uma descrição bem melhor do que esta treta supra mas foi o que se pode arranjar!

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